segunda-feira, novembro 06, 2006


OCASIÃO DESPERDIÇADA

A sentença de morte por enforcamento, proferida ontem, em Bagdad, agradou a poucos, dentro da Europa; ainda bem!

Os Estados Unidos e Reino Unido acharam justo. Uma belíssima ocasião desperdiçada para o uso de uma certa cautela em emitir juízos aplaudentes.
Estes dois países – ocupantes do Iraque - foram explícitos, quando seria aconselhável distanciarem-se e remeter a questão para uma exclusiva e independente administração interna da Justiça no Iraque. Mesmo que ninguém acreditasse, os dois países salvariam a forma. Hipócrita e diplomaticamente, mas com estilo.

Era de prever esta sentença. Os crimes perpetrados por Saddam Hussein eram de tal modo cruéis, desumanos, que a condenação à morte é consequência natural em julgamentos deste género e num país onde a vida humana tem pouco valor.

Consequência natural, mas não aceitável.

Recorrerá da sentença, obviamente. Ademais, ainda deve prestar contas da matança da população curda.
Se tivesse de ser julgado por todos os crimes nefandos que cometeu (ou de que foi responsável), seriam necessários anos e anos!
Todavia, ao longo do julgamento - embora tivesse sido julgado e condenado pelo massacre de 148 xiitas em Dujail e este não seja o pior crime - houve oportunidade de alguém lançar um “j’accuse” dirigido a quem lhe forneceu os gases letais aplicados, por exemplo, no extermínio dos habitantes de aldeias curdas? Alguém apontou o dedo contra essa co-responsabilidade? Quantos países ocidentais se podem proclamar inocentes?

Haveria, e há, boas razões para a não execução dessa pena.

A primeira, básica, inicia numa recusa moral da pena de morte.
Não reconheço a quem quer que seja – pessoas ou instituições – o direito de tirar a vida a um nosso semelhante, por mais abjectos que sejam o seu comportamento e natural tendência.
Além dessa primeira e forte razão, bastaria um único erro judiciário para execrar uma pena que é irreparável.

Repugna-me, sobremaneira, que ainda existam países que a infligem. É um método bárbaro e nunca resolveu os piores problemas de uma correcta convivência civil.

Relativamente a Saddam Hussein, enforcá-lo – morte ignominiosa! - satisfaria os sentimentos de raiva, de vingança, de satisfação dos que foram oprimidos. Contudo, podemos estar certos que os fundamentalistas, e todos os iraquianos ou muçulmanos que odeiam a América, colheriam o pretexto par lhe atribuírem a glória de mártir. Foi fácil ver estes mesmos sentimentos nas reacções de ontem, quando se conheceu a sentença. O povo é tão volúvel!

Executar ou confirmar o enforcamento (ou qualquer outro meio), assemelhar-se-ia à barbárie que Saddam Hussein, por tantos anos, pôs em prática.
Que mereça uma punição inapelável, a mais severa, disso ninguém duvida nem auspicia o contrário.
A prisão perpétua, sem concessões de privilégios, é já um Inferno na Terra. Esse inferno, Saddam Hussein merece-o; espero que lhe seja destinado.

Alda M. Maia