terça-feira, janeiro 15, 2008

"EM NOME DE GALILEU, DEIXAI-O FALAR"

Grande polémica anti-Ratzinger!

O Reitor da Universidade La Sapienza de Roma convidou Bento XVI para intervir na abertura do Ano Académico desta Universidade, na próxima quinta-feira, dia 17.

Em Novembro 2007, o professor jublilado , Marcello Cini, enviou uma carta aberta ao Reitor, lamentando a decisão de convidar o Papa para proferir a lectio magistralis.

Um grupo de 67 docentes de Física, apoiando a iniciativa do Prof. Cini e reprovando, portanto, um convite que classificam inoportuno, enviou uma petição ao Reitor para que este anulasse o convite.

Entre outras razões, escrevem:
(…) Em 15 de Março 1990, ainda cardeal, num discurso na cidade de Parma, Joseph Ratzinger retomou uma afirmação de Paul Feyerabend: «Na época de Galileu, a Igreja permaneceu muito mais fiel à razão que o próprio Galileu. O processo contra Galileu foi racional e justo». São palavras que, como cientistas fiéis à razão e como docentes que dedicam a própria existência ao avanço e à difusão do conhecimento, ofendem-nos e humilham-nos. Em nome da laicidade da ciência e da cultura e no respeito desta nossa Universidade aberta a docentes e estudantes de todos os credos e ideologias, auspiciamos que o incongruente evento possa ainda ser anulado.”

O convite não foi anulado, mas conseguiram, entretanto, que Bento XVI não proferisse a lectio magistralis, mas um normal discurso.

****

Não somente professores, mas também muitos alunos que não aceitam o diktat da Igreja sobre a Ciência, a qual deve subordinar-se à religião.

O leitmotiv da contestação é drástico: “Não queremos Ratzinger no templo do saber, pois que é excessivamente reaccionário”.
Muitos outros cartazes dos alunos foram espalhados pela Universidade e não são mais benevolentes: “Frei Giordano (Giordano Bruno), foi queimado; Galileu abjurou; nós resistiremos contra o Papado”

Hoje, à 17h, a notícia inesperada: o Vaticano anulou a visita, emitindo um breve comunicado.
Em consequência dos bem notos acontecimentos destes dias, relativamente á visita do Santo Padre à Universidade dos estudos La Sapienza, considerou-se oportuno suspender o evento. O Santo Padre enviará, todavia, a intervenção prevista.” Será lida por outrem.

Segundo dizem, não foi por falta de segurança que o Vaticano anulou a visita, mas a intolerabilidade de ver a contestação captada pelas telecâmaras e difusa em todo o mundo.

Aproveitamento imediato de Berlusconi para os sólitos ataques aos odiados adversários, os quais são todos comunistas!... Olhem só se aquele homenzinho perdia a ocasião de manifestar a sua eterna demagogia!

Certamente que o mundo político equilibrado não aprovou as contestações ásperas de certa parte do corpo docente e discente.

****


Confesso que nunca li nem ouvi tantas e tão severas críticas, como se tem verificado, ao magistério de um papa.

Decididamente, o papa Ratzinger não é popular.
Devemos convir que certas expressões e certas intransigências afastam-no do respeito e afecto que João Paulo II, por exemplo, embora classificado como papa conservador, granjeou entre todas as classes sociais e em todas as latitudes.

Paralelamente, discordo, em absoluto, com a atitude dos catedráticos da antiga e grande Universidade La Sapienza de Roma – uma das mais importantes e maiores universidades de Itália. Fundada em 1303, Studium Urbis, bula de Bonifácio VIII.

Não concordam e recusam o “obscurantismo” da Igreja Católica? É aceitável. Ora, solicitar a anulação do convite do Reitor da Universidade, tal gesto só demonstra uma outra espécie de fundamentalismo; aliás, intolerância. À luz da razão e do direito de palavra, não é correcto nem pode ser justificável.

Se há princípios com os quais discordamos, ou que a nossa inteligência e bom senso não conseguem aceitar, a única forma correcta de os enfrentar é o diálogo ou uma refutação lógica, plena e equilibrada.
As rejeições, tout court, são próprias de quem não tem razão ou é pobre de conhecimentos e, consequentemente, de argumentos.
Não me digam que os ilustres cientistas de La Sapienza de Roma têm escassez de tais atributos!

Gostaria de imaginar que o Papa estaria presente e, após o seu discurso, fosse possível uma discussão ampla, aberta, pacata, civilizada entre o Sumo Pontífice e os docentes e alunos que o contestam.
Mas seria um acontecimento fora de todos os cânones: quando o Papa fala, magister dixit! Ou ainda, como o director do jornal "La Stampa" escreveu: Extra Ecclesiam nulla vox.

O título deste post “roubei-o” a um artigo de Adriano Sofri (La Repubblica, 15/01/2008: "In Nome di Galileo Fatelo Parlare"
). Um excelente artigo.
Alda M. Maia