domingo, março 09, 2008

RESPONSABILIDADE DEONTOLÓGICA

Pensei ter abordado e completado este tema. Pensei não mais voltar a escrever sobre tal assunto. Enganei-me!

Pelos vistos, alguns Senhores advogados, conhecidos, leram o post anterior ou tiveram dele conhecimento. Foi uma espécie de cadeia de Santo António; e eu felicíssima que tal tivesse acontecido, pois era o que desejava.

Um deles, encontrando-me na rua, aludiu imediatamente ao caso, concentrando o seu interesse na genérica violação ou não violação de acordos.
Assim, o que eu afirmei não estaria muito dentro da razão, pois há circunstâncias que se apresentam e, na defesa dos interesses do cliente, é-se forçado a violar acordos já assinados.

O que achei divertido é que o Sr. Dr. falava-me do alto da cátedra!

A minha resposta foi uma série de perguntas, embora entrecortadas por objecções que não me desencorajaram de as completar.

- O Dr. (…) leu atentamente o que escrevi?
- Também alinha na tese que apenas conta o interesse do cliente e a deontologia que vá para as urtigas?
- Que entende por deontologia? É um termo vazio de significado e, portanto, apenas usado como palavra expletiva?
- Se um acordo é assinado e, por circunstâncias imprevistas graves, deve ser violado, a honestidade e lealdade não impõem que se informe o colega adversário, dando todos os esclarecimentos e justificações necessárias?

A todas estas perguntas o Sr. Advogado insistia na fórmula “interesse do cliente”.
Não valia a pena desperdiçar os meus argumentos. Tanto mais que o Sr. Advogado, repito, entendia que, não fazendo eu parte da casta, era-me vedado ter certezas sobre matérias técnicas.

Qual técnicas, qual carapuça!! Eu falo de correcção, de lealdade, de respeito por compromissos assumidos, de culto pela deontologia (por muito que o sentido desta palavra os aborreça). Eu falo da seriedade no exercício da profissão que se escolheu. Sobre este aspecto da questão, ninguém necessita das elucidações de quem quer que seja.

A conversa extinguiu-se com um meu comentário irónico e sorridente: - Se para o Doutor a força da sua actividade será, em todas e quaisquer circunstâncias, o interesse do cliente, é bom que se saiba: atenção aos acordos feitos sob o seu patrocínio, porque a omeleta pode esparralhar-se no chão!
- Por amor de Deus, não diga tal coisa nem a brincar – responde-me o Sr. Doutor.
Rindo, tranquilizei-o: - Estou a brincar, estou… ma non troppo.
Esta última parte parece que a não compreendeu e, sonsamente, também lha não esclareci.

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MAS, AFINAL, O QUE É UM ACORDO JUDICIAL OU QUALQUER OUTRA ESPÉCIE DE ACORDO NO QUAL DEVA INTERVIR UM ADVOGADO?

Quando as partes chegam a um acordo é porque tudo foi analisado, ponderado, equilibrado e, consequentemente, levado à consciente, concreta e voluntária aceitação das cláusulas que o compõem.
Sendo assim, como se pode justificar, legítima e honestamente, uma ulterior violação desse acordo por uma das partes?
A tese que o “interesse do cliente” seja equivalente a um “vale tudo” e se deva considerar norma corrente, logo, inteiramente aceitável, não passa, ao fim e ao cabo, de uma real e pura chicanice.

O que mais me escandalizou e indignou foi o aval dado pelo Conselho De Deontologia da OA a este execrável procedimento de um advogado.
Estes avales - insisto neste aspecto - somente em casos mais únicos que raros podem ser justificáveis - sempre, todavia, que se verifique a correcção do advogado em relação à parte adversária.

Em italiano, existe um provérbio, frequentemente citado: fatta la legge trovato l’inganno – fez-se a lei, encontra-se forma de a contornar.

Se um advogado, na defesa do seu cliente, encontra, na letra da lei, uma brecha onde inserir, com arte e competência, o provável êxito dessa defesa; se um advogado é um virtuoso na interpretação do espírito da lei – e cabe-lhe a fortuna de exprimir esse virtuosismo perante um juiz inteligente – isso só demonstra o talento de um bom, um excelente advogado.

É muito diferente quando a deontologia representa a trave mestra da fiabilidade de um causídico. A responsabilidade deontológica exige-se que seja obrigatória e jamais uma opção.

Creio nada mais haja a acrescentar. O assunto fica encerrado.
Alda M. Maia