domingo, setembro 28, 2008

“DEMOCRACIA MUSCULADA”

Leio sempre com interesse os artigos que o advogado Francisco Teixeira da Mota escreve, semanalmente, no jornal Público.
E gosto de o ler porque, no que escreve, nota-se um grande equilíbrio, bom senso e ideias livres da poeira dos preconceitos ou de status quo que não devem ser alterados.

“Quem quer uma democracia musculada?”: este é o título que ontem escolheu para comentar e criticar a atitude de certos magistrados – não somente de magistrados - perante os problemas da criminalidade em aumento e a prisão preventiva como panaceia indispensável.

O tema levou-me a pensar no que, presentemente, constitui um problema generalizado: a segurança interna.
Ora, este também sempre foi argumento útil para intensa propaganda política dos partidos conservadores, visto que a insegurança, ou presumida insegurança, conduz as pessoas a encostar-se ao tal “conservadorismo musculado” - eufemisticamente, usemos esta expressão; objectivamente, talvez se possa apelidar “conservadorismo fascistóide”.

A expressão mais repisada é “Lei e Ordem”.
Que as leis sejam justas ou injustas; adequadas aos tempos ou ferrugentas; respeitadas ou usadas segundo os humores de quem as deve interpretar e aplicar - ou de quem comanda - estas são circunstâncias irrelevantes. A democracia musculosa, quase sempre demagógica, deve impor, punir, reprimir. Demonstrar rigor, a fim de que a população se convença que há ordem e segurança.
Imprescindível que todas estas operações sejam proclamadas com um forte rufar de tambores!

Mas isto é democracia?

Devo confessar que estou a escrever, pensando na situação actual italiana. E se quero ser mais clara, ali já não se trata de conservadorismo fascistóide, mas do ressurgir de um fascismo com vestes modernas.

Espero que as forças verdadeiramente democráticas saiam do letargo e comecem a gritar um sacrossanto vade retro, Satana! Some-te para sempre, dado que o vírus ficou latente em muitos cidadãos que se proclamam democráticos.

Gostaria que existissem sanções contra quem emprega abusivamente as palavras democrata e democracia. Na boca de um assumido ou potencial fascista, constituem uma usurpação. Logo, pimenta na língua… mas talvez seja mais eficaz o piripiri.
Alvitro somente punições muito caseiras; menos perigosas e chocantes que o óleo de rícino que os fascistas do tempo de Mussolini infligiam, brutalmente e em grandes doses, aos opositores do regime.

Mas desviei-me do assunto inicial. Aliás, tenho caminhado mais ao sabor de associações de ideias que seguir uma linha directa.

Sempre na esteira do artigo do Dr. Teixeira da Mota, quando alude às variegadas reacções que seguem “a onda revanchista e populista”, vieram-me ao pensamento os manipuladores de opiniões e os manipulados.

Nunca senti compreensão por quem se deixa manipular e, como consequência, repete conceitos prefabricados, frases feitas sem qualquer sentido aderente à realidade dos factos ou do ambiente que nos rodeia: quem se demite, portanto, da capacidade de raciocinar.
Bem sabemos que é precisamente este o efeito que políticos demagogos, habilmente, procuram obter.

Procuram obter e obtêm. O mais desolador, todavia, é verificar que pessoas não destituídas de inteligência, com um grau de instrução por vezes elevado, aceitam o papel de papagaios: nelas, o sentido crítico é anulado e caem num psitacismo confrangedor.
Se ao menos usassem a verborreia com naturalidade! Pelo contrário, robustecem-na com uma tal arrogância e prosápia que tenho de me perguntar: crêem no que dizem ou pretendem fazer-nos passar por estúpidos? Talvez as duas coisas, pelo menos da parte de politicastros.

Há um grande perigo, todavia: quando são as grandes multidões que se deixam manipular!

O advogado Teixeira da Mota termina com uma citação da revista Ocidente de 1889: (…) “neste fazer e desmanchar, nesta tibieza das leis, não se sabe que mais admirar, se a fecundidade dos legisladores, se a inutilidade da maior parte das leis”.
Não pude evitar a associação com um artigo de sexta-feira, dia 26 – “Péricles, ensina-me o que é a lei” - de Gustavo Zagrebelsky: ex-presidente do Tribunal Constitucional, professor de Direito Constitucional em Turim, autor de várias obras de carácter jurídico, publicista no jornal La República.

«Diz-me, Péricles, saber-me-ias ensinar o que é a lei?» – pede Alcibíades a Péricles. Este responde: «Tudo aquilo que quem comanda, depois de ter deliberado, dispõe por escrito, estabelecendo o que se deva e não deva fazer, chama-se lei». E prossegue: «Tudo aquilo que se constringe alguém a fazer, sem persuasão, metendo-o por escrito ou então doutro modo, é prepotência em vez de lei».
Se não se dialoga, não nos podemos compreender e, com maior justeza, não é possível a persuasão.
(…) Na ausência de argumentos idóneos a «persuadir», a liberdade deve prevalecer. Esta é a máxima da lei de Péricles. -
G. Zagrebelsky
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Alda M. Maia