domingo, março 22, 2009

A BANALIDADE DOS MILHÕES

É impossível restar indiferentes, perante a informação sobre os milhões que os grandes dirigentes do mundo económico e financeiro meteram ao bolso, em 2007 – jornal La Repubblica de 18/03/2009.

Percorrendo a lista, só me perguntava: haverá trabalho, competências, responsabilidades, talentos que devam merecer estes vencimentos, bónus ou outras benesses?

Se qualquer alto funcionário tem um vencimento mensal de cinquenta mil euros, usufrui de um rendimento anual que cobre, amplamente, um elevadíssimo nível de vida.
Assim, tenho sempre muita dificuldade em compreender as relutâncias em propor ou determinar um tecto às compensações da classe executiva.
Se alguém apresenta essa proposta, imediatamente a classificam como impraticável: aos “talentos” não se deve pôr limites!

À falta de bom senso, à penúria de decência e ao desequilíbrio social quem põe limites?

Cito dois exemplos, da uma lista de 28, que La Repubblica publicou.
Primeiro exemplo: Josef Ackermann, Deutsche Bank, em 2007 recebeu 13,9 milhões de euros: mais de um milhão por mês.
Justificam-se estes milhões? A escassez de dirigentes da finança é tão grave que se tornou necessário abrir-lhes a caverna de Ali-Babá?

Segundo exemplo: na indústria automóvel, Luca Cordero di Montezemolo, presidente da Fiat, sempre em 2007, foi compensado com 7 milhões €!

Face à gravíssima crise que a todos assusta, Josef Ackermann reduziu os seus vencimentos de 60%.
Nesse sentido, o Presidente da Fiat também anunciou bons propósitos.
Fiquemos tranquilos: não os veremos a estender a mão à caridade.

Na mesma lista de La Repubblica, a fasquia dos emolumentos dos chefes executivos dos maiores bancos italianos oscilaram de 11 a 2,400 milhões de euros.
É inevitável a associação de ideias sobre o que afirmou, numa entrevista de 12/03/2009, o famoso jurista e especialista de Direito Societário, Guido Rossi.

(…) Recorda os “animal spirits” empresariais citados por John Maynard Keynes, na sua Teoria Geral?
O economista de Cambridge referia-se ao espírito livre que deveria inspirar a acção da actividade empresarial. Hoje, essa imagem sugestiva de Keynes provoca arrepios, se pensarmos na sua metamorfose.
A quem me quero referir? Não desejaria ser excessivamente cruel, mas hoje, se devo pensar nos “animal spirits” da nossa época, vêm-me ao pensamento os banqueiros.
nfelizmente, estes modernos “animal spirits”, sem nenhum controlo, impeliram a economia mundial para as margens do maior desastre dos últimos decénios.

(…) Como bem disse Warren Buffet, os bancos e os banqueiros inventaram produtos e instrumentos financeiros que se revelaram armas de destruição de massa. Há uma grave responsabilidade em tudo isto e não sabemos se jamais alguém pagará pelos danos que causaram ao sistema
.

Os danos estão à vista. A grande massa de lixo financeiro – quais gigantescos e perigosos icebergues - anda por aí á deriva e não sabem como arrumá-la, sepultá-la, extingui-la, absorvê-la.

Mas entretanto, para que os “grandes talentos”, causadores desse lixo, permaneçam no lugar, alguém os premeia com bónus milionários.
Francamente, lendo o que se passou com a seguradora AIG americana, a náusea é obrigatória.

Sarkozy entende, e muito bem, que “os dirigentes de sociedades que põem em acto planos sociais e recorrem ao fundo de desemprego devem renunciar à parte variável dos seus ordenados”.
A Medef (confederação industrial francesa), porém, não entende limitar a liberdade das empresas na distribuição das compensações aos seus managers.
Vive la solidarité, la responsabilité, l’humanité! Mas tudo isto, como é óbvio, brilha por ausência, nos senhores da Medef.

Estes indivíduos, e similares, têm consciência da situação dramática das pessoas que ficam sem emprego?

Mas voltando ao princípio, e relendo a iteração dos milhões que envolvem, além dos já citados, Martin Winterworn da Volkswagen - 6,9 milhões; Dieter Zetsche da Daimler-Mercedes - 8,5 milhões; Aurun Sarin da Vodafone - 5,1 milhões, etc., etc., etc., estes milhões são de uma tal banalidade que ficamos com a sensação de que contar feijões ou euros, quase parece o mesmo.
Mas não é!
Alda M. Maia