segunda-feira, agosto 31, 2009

O DELÍRIO DE OMNIPOTÊNCIA

Ou o “delírio da impunidade”, como escreve o jornal El País.

Bem nos propomos de ignorar as vicissitudes do reinado do inefável Berlusconi, mas é impossível. Em cada dia ou cada semana que passa, surgem factos que provocam as mais variadas reacções: ou desatamos à gargalhada ou nos escandalizamos ou, ainda, ficamos de tal maneira atónitos com o inverosímil dos acontecimentos que chegamos a duvidar que tais factos possam acontecer num país democrático; pior, num civilizadíssimo país europeu, fundador e membro da União Europeia.

Falemos, mais pormenorizadamente, do caso a que ontem me referi.
O senhor Presidente do Conselho de Ministros italiano, Berlusconi, decidiu mover uma acção, no Tribunal de Roma, ao jornal “La Repubblica” pelas dez perguntas que, diariamente, vem publicando de há dois meses a esta parte e que ontem transcrevi.

Nessa queixa judicial também é denunciado um serviço (sempre de um jornalista de La Repubblica) de 6 de Agosto que citava alguns extractos de um artigo de "Nouvel Observateur", de Serge Raffy: “Sexo, Poder, Mentiras”.

Obviamente, também serão processados o semanário francês e o quotidiano espanhol "El País": artigos difamatórios. Parece-me que não escaparão "The Times" e outros ilustres jornais ingleses!

É crime de difamação citar ou escrever artigos que não louvam ou publicar fotografias pouco lisonjeiras.
A isto chega a loucura de um delírio de potência incontrolada!

Afora os fiéis vassalos políticos, a reprovação deste acto foi unânime, quer no País, quer na imprensa estrangeira.
Só espero e desejo que seja um perfeito e certeiro boomerang.

Entretanto, três insignes juristas – Franco Cordero; Stefano Rodotà; Gustavo Zagrebelsky – lançaram um apelo:

O ataque a “Repubblica”, cuja convocação judicial por difamação é apenas o último episódio, é interpretável somente como uma tentativa de reduzir ao silêncio uma imprensa livre, de anestesiar a opinião pública, de isolar-nos da circulação internacional das informações, enfim, fazer do nosso País uma excepção da democracia.
As perguntas ao Presidente do Conselho são perguntas verdadeiras que suscitaram interesse, não só no País como na imprensa de todo o mundo. Considerando-as “retóricas”, porque sugeririam respostas não gradas a quem são dirigidas, existe um único e fácil modo de as desmontar: não calar quem as faz, mas responder.
(…) Espanta e preocupa que estas iniciativas não somente não sejam estigmatizadas concordemente, nem sequer referidas, pelos órgãos de informação e que haja juristas dispostos a dar-lhes forma jurídica, sem considerar o dano que daí vem à mesma seriedade e credibilidade do direito.

Em menos de três dias, as adesões já ultrapassam 140 mil assinaturas. Pode dizer-se que o mundo intelectual e do espectáculo está ali todo em peso. Aleluia!

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«As perguntas são retóricas e claramente difamatórias … O leitor é induzido a pensar que as proposições formuladas não sejam interrogativas, mas afirmativas e é levado a aceitar como circunstâncias verdadeiras, realidades de factos inexistentes» - assim reza uma das motivações da denúncia.

Diverte-me a última asserção: (…) “realidades de factos inexistentes”!

Há documentos e testemunhos que comprovam, irrefutavelmente, esses “factos inexistentes”, mas Berlusconi e acólitos continuam a sustentar que tudo não passa de coscuvilhices sobre a sua vida privada que é sacra.

Se é privada, por que não se manteve, discretamente, muito discretamente, no âmbito privado? A política mundial moderna é generosa em exemplos de representantes mulherengos sem que estes, todavia, jamais quisessem elevar as “companheiras da alegria” a cargos de responsabilidade pública ou as ostentassem despudoradamente.
Por qual razão algumas dessas borboletas que giravam à sua volta as vemos agora ministros e outras tiveram promessas de irem para o Parlamento Europeu, Parlamento nacional ou para os mais diversos cargos políticos?

Este género de privacidade, e como muito bem disse Ezio Mauro no seu editorial que transcrevi, é simplesmente ultrajante e humilhante para o País que o elegeu.

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Há um segundo caso não menos clamoroso: o ataque violento do jornal de Berlusconi (jornal que está em nome do irmão, pois claro!...) ao director do jornal da Conferência Episcopal Italiana, “L'Avvenire”.
Sobre este assunto tornarei no próximo artigo – se me é permitido chamar artigo e não post ao que aqui escrevo. Detesto a palavra post.
Alda M. Maia