segunda-feira, janeiro 04, 2010

O ANO DAS INCERTEZAS
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Henri Fantin-Latour; 1836 - 1904
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Para este novo ano 2010 que já se instalou, uns procuram transmitir um tímido optimismo; outros usam tons solenes e prenunciam tempos difíceis, graves problemas sociais, crise económica imparável: busquemos um ponto de equilíbrio.

Entretanto, confiemos na esperança de que “amanhã é um outro dia” e quem sabe se não será um dia melhor!
E sendo assim, apelemos à alegria.

Como primeiro post do novo ano, nada mais agradável que a sinfonia de tonalidades destas flores de Fantin-Latour.

È curioso que quase todos os grandes da pintura nunca desdenharam de aplicar o próprio virtuosismo neste género de natureza morta. Certos críticos torcem o nariz: pintura académica; pintura banal, etc.
Académica ou banal, quando de uma composição harmoniosa, de um excelso sentido das cores, de um desenho perfeito sem ser fotográfico deflui a poesia, para mim é sempre uma obra de arte que nos arranca um espontâneo “que lindo!”

À beleza das flores, porém, também quero acrescentar a beleza irónica e cómica da palavra. E qual melhor escolha que um poema do poeta romano Trilussa?!
Vejamos como retrata o “sufrágio universal”, em dialecto romanesco - com a devida tradução.

"Suffraggio Universale"

Un’Aquila diceva: - dar momento / che adesso c’é er suffraggio universale, / bisognerà che puro l’animale / riabbia un rappresentante ar Parlamento; / dato l’allargamento, o primo o poi, / dopo le donne lo daranno a noi.

Ma allora chi faremo deputato? / Quale sarà la bestia indipennente / che rappresenti più direttamente / la classe animalesca de lo Stato / E a l’occasione esterni er su pensiero / senza leccà le zampe ar Ministero?

Per conto mio, la sola che sia degna / de bazzicà la Cammera e conosca / l’idee de l’onorevoli è la Mosca, / perché vola, s’intrufola, s’ingegna, / e in fatto de partiti, sia chi sia, / passa sopra a qualunque porcheria
!
(01 de Janeiro 1914)

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"Sufrágio Universal "

Uma Águia dizia: - dado
Que agora existe o sufrágio universal,
É necessário que também o animal
Ganhe um representante no Parlamento.
Visto o alargamento, cedo ou tarde,
Depois das mulheres, concedê-lo-ão a nós.

Mas então quem faremos deputado?
Qual será o bicho independente
Que represente mais directamente
A classe animalesca do Estado
E, quando necessário, manifeste o seu pensamento
Sem lamber as patas ao Ministério?

Na minha opinião, a única que se mostre digna
De frequentar a Câmara e conheça
As ideias dos deputados é a Mosca,
Porque voa, insinua-se, engenha.
E na questão de partidos, seja quem for,
Transita por cima de qualquer porcaria!

Trilussa (Carlo Alberto Salustri; 1871 – 1950)

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Hoje como em 1914. Infelizes partidos tão miseramente considerados!
Alda M. Maia

4 Comments:

At 11:43 da manhã, Blogger Teresa Fidalgo said...

D. Alda, não podia ter começado melhor o ano!
Tanto a pintura, como o poema (que, confesso, não conhecia), deixaram-me muito bem disposta...


É mesmo assim a nossa política, desde que existe política...


Um beijinho

 
At 2:30 da tarde, Blogger a d´almeida nunes said...

Pois é, Alda

Hoje como ontem e desde sempre que o homem se organiza em grupos, quais alcateias de lobos, prontos a devorarem-se uns aos outros na defesa dos seus domínios.

E a verdade é que não conseguimos aprender com os nossos erros passados. Mal nos recompomos das feridas duma guerra fratricida, logo nos reagrupamos em grupos para assim melhor levarmos de vencida aqueles que se nos opõem.
E assim andamos partidos e divididos sem conseguirmos sobrepor a satisfação das necessidades do colectivo aos egoísmos do indivíduo (mesmo quando arregimentado).

Valha-nos a Arte e as Letras para nos podermos e(n)levar a outros patamares, que não os meramente materiais e insensíveis aos desígnios puros na Natureza.

Um BOM ANO de 2010 para si, Alda, e todos os seus.

António

 
At 6:49 da tarde, Blogger Alda M. Maia said...

Olá Teresinha
Trilussa é um poeta dialectal romano e muito popular na Itália. Por este poema, já podes imaginar o género.
Não te empresto o livro que aqui tenho, pois não entenderias o dialecto romano. Quando te decidires a passar por aqui, ler-te-ei algumas poesias e tenho a certeza que te divertirás.

Um beijinho
Alda

 
At 7:56 da tarde, Blogger Alda M. Maia said...

Boa Tarde, António

Começava a responder-lhe e tive de interromper, devido à prepotência da campainha do telefone. Aqui estou de novo.

Sabe o que mais me desagrada e indigna na acção partidária? O exclusivo interesse pelos votos – logo, a avidez do poder pelo poder - e o receio da impopularidade se ousam tomar medidas drásticas, a fim de endireitar o que corre mal no País. Isso, na prática, não interessa a ninguém. Serve apenas para campanha eleitoral e lindos propósitos.

Bom divertimento na nova vida mais descansada e com mais tempo para a rádio.

Um grande abraço a toda a Família
Alda

 

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