segunda-feira, janeiro 25, 2010

SOCIEDADE CIVIL E INCONSCIÊNCIA CIVIL

Frequentemente, interrogo-me se a consciência civil é positivamente activa e atenta ao que sucede na comunidade a que pertence ou se antepõe a quaisquer outras preocupações o egoísmo, de mistura com uma total indiferença pelo bem e decência comuns.

Após a vigésima lei ad personam – já aprovada no Senado - e que, pela enésima vez, cuida dos interesses de Berlusconi e o coloca no Olimpo dos improcessáveis ou inimputáveis, não posso conceber que uma sociedade civil, ciente do que é um Estado de direito, aceite anomalias que a deveriam envergonhar, sentindo-se representada por um primeiro-ministro de tal jaez.
Ver-se-á, nessa lei, as manhas usadas para livrar Berlusconi de dois processos que, pelos vistos, não sabe como defender-se.

Também não sei compreender a razão por que os partidos fora da maioria de Governo não desencadeiem uma oposição tão vigorosa e generalizada que nenhum recanto do País fique ao abrigo de uma campanha seriamente esclarecedora, despertando consciências.

O vocábulo “reformas” tem sido o leitmotiv da oratória política.
O País, à semelhança de tantos outros, luta, sobretudo, contra problemas de carácter laboral e social. Para Berlusconi e cortesãos, todavia, tal situação não é de primária importância. A reforma mais urgente é a da Justiça. Não é difícil adivinhar o motivo!

Eles chamam-lhe reforma, mas a semântica do termo foi violentada. Analisando os actos dessa gentinha, trata-se apenas de um esvaziamento do poder judiciário, exactamente como tem vindo a suceder com o poder legislativo.

A “lei burla”, como muitos a classificam, chama-se “Processo breve” - em nome do “interesse comum”, obviamente!...

Com a finalidade de salvar um único imputado, milhares de outros processos, muitos de grande relevo, serão eliminados, com graves prejuízos para tantos cidadãos e uma irreparável lesão a um valor de primária importância num país.

Seria normal que, antes de elaborar e aprovar uma reforma para um justo e célere funcionamento da Justiça, se adoptassem medidas que potenciassem os recursos humanos e materiais, procurando eliminar as múltiplas lacunas repetidamente denunciadas e que ninguém ignora.
Paralelamente, corrigir uma profusão de leis que vão sendo aprovadas sem ter em conta que atropelam outras existentes; rever normas dilatórias que contribuem para emaranhar ou travar a marcha dos processos, cíveis ou penais. Existe um decreto-lei, por exemplo (refiro-me sempre à Itália), que permite aos advogados apresentar 300 testemunhas em tribunal!

Num País onde o crime organizado é potentíssimo, o sistema justiça deveria merecer a máxima atenção do poder legislativo e executivo.

Quem é que não deseja uma justiça expedita, tanto mais que a justiça italiana é “patologicamente lenta”?
Porém, todos os preliminares necessários para elaborar e aprovar uma boa reforma foram ignorados.

Vejamos, então, no que consiste a “grande reforma” berlusconiana - grosso modo, além de várias directivas, impõe limites de tempo:
A máxima duração de um processo não deve ir além de três anos no primeiro grau; dois, para o segundo; um ano e seis meses no Supremo.
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Para crimes com penas superiores a dez anos, o limite será de 4 anos em primeiro grau; dois, no segundo; um ano e seis meses no Supremo.
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Crimes de máfia e terrorismo, 5 anos primeiro grau; 3 no segundo; dois no Supremo, mas prolongados de um terço por cada grau de juízo, quando existam
dificuldades de investigação.” – www.altalex.com
A não observância destas normas determina a prescrição do processo.

Mas há mais, e neste mais reside a chave de tanto zelo reformador:
Norma transitória retroactiva: a extinção processual aplica-se aos processos em curso somente quando se trata de crimes indultados ou indultáveis, cometidos antes do primeiro de Maio 2006 e se são passíveis de penas inferiores a dez anos”.
Exactamente as condições em que se encontram os processos Berlusconi: corrupção em acto judiciário; fraude fiscal.

Esta norma transitória retroactiva, logo que entre em vigor, determinará e extinção de um processo se decorrerem dois anos a partir da solicitação do ministério público para que seja levado a juízo

É constitucional, é correcto, é decente, é crível votar uma reforma com normas retroactivas?! È aceitável que milhares de processos, já a meio ou no fim do percurso, devam acabar no caixote do lixo, mercê de uma norma aberrante inventada com um único fim?

Não é difícil, para as pessoas sérias e competentes do mundo judiciário, exprimirem pareceres unânimes, quando prevêem um desastre para a Justiça italiana; “um autêntico tsunami”, na opinião de alguns.

Mas nada disto interessa à massa de acéfalos que apoiam Berlusconi.
Urgia apresentar uma lei que protegesse os interesses do patrão. As pesadas consequências colaterais não conseguiram penetrar no bom senso e inteligência daqueles títeres, os quais repetem, como papagaios, os falsos argumentos, contradições e mentiras que aquele homenzinho propala, sem pudor e com arrogância, através dos imponentes meios de comunicação de que é proprietário ou que pode controlar – a RAI, por exemplo.
Contra isto, a oposição, por enquanto, caminha descoordenada e sem rumo certo. Oxalá o encontre.
Alda M. Maia

3 Comments:

At 11:46 da tarde, Blogger Teresa Fidalgo said...

D. Alda,
Acredito que esteja indignada - tem motivos fortes para isso, mais sabendo que tais leis têm por fim, não um interesse público colectivo, mas sim um interesse particular. Que não se pensou na celeridade dos processos, mas sim nas previstas prescrições para os processos Berlosconi. Que apenas se pretende “safar” um estadista que tem actualmente processos dessa natureza em tribunal, e que é ele próprio, que foi eleito pelo povo para governar os interesses de todos, que se aproveita desse seu cargo para melhor se governar a si mesmo.
Mas, por mais que nos custe, uma lei processual, como é o caso, tem efeitos retroactivos… Mas mesmo que assim não fosse, na aplicação no tempo das leis criminais, o arguido beneficia sempre daquela que lhe é mais favorável. Após reformas, muitos processos caiem por terra… são arquivados – isso apenas beneficia o criminoso, mais ninguém…


Um beijinho

 
At 5:46 da tarde, Blogger Alda M. Maia said...

Senhora Advogada, Maria Teresa

É essa retroactividade que não me convence e que acho obscena. Aliás, não se fazem reformas desta natureza, ditando apenas prazos limite, sem remediar, primeiro, as tantas carências de que sofre o ambiente judiciário italiano.

Além de uma grande falta de funcionários, escasseiam os meios materiais. A juntar a essas falhas, talvez mercê delas, nem sempre certos magistrados brilham por eficiência.

Tudo isto deveria ter sido tomado na devida conta, antes da proclamação da”Prescrição Breve” - assim lhe chamaram.
Mas ao fim e ao cabo, foi essa a única finalidade.
Um abraço

 
At 5:58 da tarde, Blogger Teresa Fidalgo said...

Claro que não, D. Alda, uma coisa dessa natureza é tudo menos uma reforma...
Nem uma reforminha é...
Chamemos-lhe um grande aproveitamento político, um controle judicial do estado, que é coisa que contraria em absoluto o direito.
Um beijinho

 

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