domingo, maio 23, 2010

PERPLEXIDADES

Os muçulmanos americanos, há tempos, apresentaram o projecto da construção de uma grande mesquita - com centro cultural, jardins pênseis e uma piscina coberta - utilizando um dos edifícios danificados pelo ataque da jihad islâmica de 11 de Setembro, 2001.
Esta mesquita seria (ou será) construída nos edifícios do World Trade Center, “quadrilátero do massacre, ao lado do arranha-céus da Liberdade, em construção, aos memoriais e aos santuários para recordar as quase três mil vítimas”.

Resumindo, uma mesquita e um centro islâmico, precisamente no lugar onde o terrorismo semeou destruição e milhares de mortes.
O centro chamar-se-ia “Córdoba House” - recordando Córdoba como capital do califado, a escolha deste nome não dará lugar a interpretações erradas?
Um funcionário municipal, talvez discordante, rompeu o silêncio e fez com que a notícia se tornasse pública.

Como era previsível, nasceu a revolta, sobretudo dos que perderam, naquelas circunstâncias trágicas e cruéis, familiares e amigos.
Os mortos não o suportariam". "Que coisa poderia ser mais insolente e ofensivo que uma mesquita no lugar onde a jihad islâmica pôs em acto a carnificina do ódio?”: dois exemplos dos múltiplos comentários de quem se opõe.

Concomitantemente, também lançaram o grito de guerra os que identificam o islão com terrorismo e em tudo vêem razões para a “islamofobia”, não se apercebendo que alimentam sentimentos idênticos aos dos extremistas que repudiam.
Na matança do onze de Setembro, também morreram muçulmanos, judeus, budistas, etc. A loucura dos terroristas apenas se preocupou com a espectacularidade da devastação. As vítimas imoladas seriam um factor inerente, como é óbvio, mas talvez de secundária importância.

A directora da “Sociedade para o Progresso Muçulmano”, Daisy Khan, sustenta que “uma mesquita no lugar do delito terrorista seria aquele sinal de reconciliação, de pertença e, portanto, de distanciamento da jihad violenta.”
Mas produzirá esse efeito?

E chego agora às minhas perplexidades. Lendo a extensa reportagem sobre este caso – autor Vittorio Zucconi, de La Repubblica; analisando as justas considerações sobre o direito desse projecto ser aprovado, exactamente como o de qualquer outro lugar de culto e cultura; considerando que todas as religiões me merecem igual respeito e que odeio fundamentalismos e intolerâncias; sabendo que o islão jamais deve identificar-se com os extremistas que agem em nome dessa fé, conspurcando-a, o meu primeiro pensamento não foi ao encontro da coerência.

Não foi, pois exactamente como muitos nova-iorquinos, a minha reacção foi idêntica: - “Mas deviam mesmo escolher aquele local? Não haveria outros sítios para erigir a mesquita com as finalidades que auspiciam?”

Incoerente ou não, não quero ser hipócrita e escrever o que o meu instinto não compartilha: entendo que a escolha é infeliz.
Estarei errada, mas quando escrevo procuro desenvolver um raciocínio honesto. Ora, neste caso, não vou forçar nem adulterar o meu pensamento, a fim de demonstrar o estafado “politicamente correcto”.

Não duvido das boas intenções desse projecto na “Ground Zero”. Todavia, a sensibilidade, neste caso, deveria ter a primazia e aconselhar prudência.
As feridas ainda sangram e sangrarão. Os ânimos de quem perdeu um cônjuge, filhos, pais ou quaisquer outros entes queridos ainda permanecem exasperados. Logo, não se pode pretender compreensão. E é aqui que deveriam intervir a sensibilidade e o bom senso.

****

Noam Chomsky, judeu americano, intelectual de renome, linguista. Contestatário sem ambages, quando deve atacar o que não lhe agrada. Implacável censor do Estado de Israel e da política americana.

Como todos leram, no dia 16 deste mês, a Noam Chomsky foi-lhe negada a entrada em Israel, quando compreenderam que era directo à Cisjordânia para uma conferência na Universidade de Birzeit, perto de Ramallah.

Os funcionários aduaneiros entenderam que não tinha nada que participar em conferências de uma Universidade palestiniana. Logo, inflexibilidade absoluta.
Juntamente com a filha e outras três pessoas tiveram de regressar, forçadamente, a Nova Iorque.
Sucintamente, estes os factos.

Aqui, seguindo o sucedido, não há perplexidades ou dificuldades de entendimento: a estupidez e a arrogância intolerante dos funcionários que rejeitaram Chomsky são bem claras.
A perplexidade nasce e avoluma-se, quando devemos observar, dia após dia, o comportamento do governo do Estado de Israel.
É difícil compreender e aceitar as razões de tantas atitudes intransigentes que só prejudicam este Estado, o denigram e desacreditam, subtraindo-o à solidariedade que as suas razões, paralelas às dos palestinianos de boa vontade, devem merecer.
Mas de um governo de extrema-direita que se pode esperar de equilibrado? Fundamentalismo contra fundamentalismo. Ora, para estas mentalidades obtusas, conta apenas a brutalidade das armas.

Como seria desejável que a grande percentagem dos moderados de Israel e Palestina – que existem, pois as insistentes manifestações de protesto demonstram-no - cansados de tantas violências gratuitas, guerras destrutivas e intolerâncias exacerbadas dessem as mãos, gritassem mais forte e em maior número que os sectários fundamentalistas e, embora com recíprocas e inteligentes renúncias, conseguissem uma convivência serena!
Impossível?
Alda M. Maia

3 Comments:

At 2:28 da tarde, Anonymous Anónimo said...

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At 5:22 da tarde, Blogger Teresa Fidalgo said...

D. Alda,

Desta vez não posso subscrever o que escreve. Acredite que não é para me fazer politicamente correcta, é precisamente porque "todas as religiões me merecem igual respeito e (...) porque odeio fundamentalismos e intolerâncias" e também porque "… o islão jamais deve identificar-se com os extremistas que agem em nome dessa fé".
Por isso, que a D. Alda (também) escreve, não consigo perceber a reacção dos norte-americanos que se insurgiram contra a construção desta mesquita. É que, esta fé nada tem a ver com aquele atentado: são coisas e pessoas bem diferentes!
Não pode haver feridas nem ressentimentos contra quem nada fez. Pensar o contrário talvez seja, intimamente, associar os dois.
Um beijinho grande!

 
At 5:22 da tarde, Blogger Alda M. Maia said...

Menina Teresinha

Não tenho “descido” ao blogue. Cheguei agora e vi o teu comentário. verifico que não subscreves a minha posição - repara que não escrevo “opinião”, mas posição, o que não é bem a mesma coisa.

Esses princípios a que aludes e que são muito correctos, eu também os defendo, como não deixaste de notar. Todavia, mesmo que esses princípios sejam fortemente estribados na razão, neste caso erguem-se outros motivos que pedem à razão que lhes permita uma presença de igual importância: o tal bom senso e sensibilidade.

A esmagadora maioria dos muçulmanos nada têm que ver com aqueles crimes – sabemo-lo perfeitamente - mas foi em nome dessa fé que aqueles tarados agiram. Crês que é fácil fazer compreender às pessoas que tiveram de recolher os corpos de familiares em mil pedaços que a construção daquele edifício é um direito e que nada tem de anormal? Nós compreendemos, mas quem foi ferido não está nas mesmas condições psicológicas e lógicas de elaborar um juízo idêntico.

Achas que não dará lugar a reacções violentas de fanáticos ou dos tais estúpidos que colocam terrorismo e islamismo no mesmo plano? Pensas que será pacífica a aceitação dessa mesquita naquele local e que haverá o discernimento justo que saiba separar as franjas extremistas de quem não tem a mínima culpa?
Não creio, e o bom fim a que a destinam será entendido mais como provocação que uma nobre ideia, o que é pena.

Um beijinho
Alda

 

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