domingo, julho 11, 2010

A GLOBALIZAÇÃO ENDEUSADA

E em nome destas modernas divindades ou realezas, tudo por que se lutou, na primeira metade do século vinte, mandou-se para as ortigas. Melhor, procura-se fazer “tabula rasa”, pois há outras majestades que se impõem: a competitividade, produtividade, mercado livre, livre circulação de capitais e, qual divindade superior destes dogmas, a deusa globalização.

E a deusa domina e determinou a minimização da política. Esta que se ponha de lado ou não incomode os operadores das majestades acima referidas.

Neste momento estou a pensar no caso Telefónica, Vivo, Golden Share.
Tendo em conta a liberdade de circulação de capitais – em vez de livre circulação, chamar-lhe-ia o sólito “Far West” sem lei nem grei: ganhe o mais forte e mais bem armado - só me pergunto por que razão esta liberdade não deva obedecer a uma determinada ética. Evito de aludir a regras; fiquemo-nos pela ética.

O que me incomodou e enojou em toda esta polémica, primeiro que tudo foi a arrogância e prepotência da Telefónica: a Vivo é uma presa apetecível, atiro-te com alguns milhões, afasta-te e reduz-te à tua insignificância, quer queiras, quer não.
No sector, a Telefónica pretende retornar a terceira mundial; logo, a PT que abdique da excelente quota na Vivo.
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Livre circulação, já que assim deve ser, mas com delicadeza e respeito pelos interesses dos consócios: parece-me que não é difícil compreendê-lo e exigi-lo.

Em segundo lugar, o comportamento hipócrita do PSD e o desejo de tantos opinionistas de não se afastarem do politicamente correcto, pois o contrário seria a demonstração de apoio à acção do Governo ou manifestação de patrioteirismo serôdio.
Pergunta: serão sinceros no que escrevem? Acaso não se vêem tantos países – os tais países desenvolvidos - a fazerem, em iguais circunstâncias, o que fez o Governo português? É assim obsoleto e inoportuno proteger interesses nacionais?

Mas deixemos este assunto e aguardemos o desenvolvimento.

A propósito de globalização e fiéis súbditos, transcrevo passagens de artigos de dois excelentes editorialistas e que melhor descrevem o que, de há muito tempo, me deixava perplexa e em quase completa discordância com o que impunham como verdades indiscutíveis da economia moderna.

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O Capital, a Ética e a Crise – de Giorgio Ruffolo (licenciado em Direito, ensaísta sobre assuntos económicos, político) - no Jornal La Repubblica de 07 Julho 2010)

(…) “O verdadeiro sucesso histórico do capitalismo fora a realização, no Ocidente e nos primeiros decénios do após guerra, de um pacto entre o capitalismo e democracia. Um compromisso social-democrático na Europa e liberal-democrático nos Estados Unidos que associava a promessa da prosperidade económica e a de uma crescente equidade social.

Aquele compromisso foi varrido pela libertação dos movimentos de capital. A globalização – que é disto a consequência – derrubou as relações de força entre os Governos e as Multinacionais, entre o capital e o trabalho, entre a política e a economia.
Gerou um enorme e crescente desequilíbrio entre rendimentos de trabalho e rendimentos de capitais.

Este desequilíbrio poderia ter ressuscitado os conflitos ruinosos do anteguerra. Foram evitados, mercê do recurso maciço e desinibido ao endividamento e este impeliu o consumo americano muito para além dos limites da produção, ignorando, graças à impunidade do dólar, o problema do défice.
O endividamento provocou a extraordinária expansão das actividades financeiras até ao quádruplo do produto real, constituindo a base dos novos super poderes financeiros.

(…) No fim do primeiro decénio deste século, a crise mais devastante dos últimos oitenta anos investiu a América, alastrando, depois, pelo mundo.
Esta vez, porém, a reacção foi fulminante: os Estados pagaram as contas da crise. O endividamento passou de privado a público.

(…) Resta a perspectiva mais improvável: a de reorientar a economia na direcção de um desenvolvimento «racional e compatível», ecológica e financeiramente.
Isto comporta grandes desvios na actual distribuição de rendimentos, excessivamente desequilibrada, e na recolocação dos recursos entre bens privados e bens sociais.
Mas também, e sobretudo, uma reorientação ética.

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A Globalização do Operário” de Luciano Gallino (sociólogo, escritor, docente de sociologia) – jornal La Repubblica, 14 Junho 2010.

(…) "Em fim de contas, o ideal da WCM (World Class Manufacturing) é o robot que não se cansa, nunca diminui o ritmo, jamais se distrai. Com a métrica do trabalho adestram-se as pessoas, a fim de que operem quase como robots. E é aqui que caem os véus da globalização. Esta consiste, desde o início, numa política do trabalho á escala mundial.

Desde os anos 80 do século passado a esta parte, as empresas americanas e europeias têm perseguido duas finalidades.
A primeira foi deslocar a produção para os países onde o custo do trabalho era mais baixo, a mão-de-obra dócil, os sindicatos inexistentes, os direitos do trabalho ainda num futuro longínquo. Tudo isto ornamentado e mascarado com os véus espessos da ideologia neoliberal.
Sob esses véus, surge, desde sempre, a segunda finalidade: empurrar para baixo os salários e condições de trabalho nos nossos países, a fim de que se alinhem com os dos países emergentes. Nome em código: competitividade.

A crise económica que eclodiu em 2007 fez cair os véus da globalização. Políticos, industriais e analistas já dizem, sem ambages, que o problema não é o de elevar os salários e as condições de trabalho nos países emergentes: são os nossos que devem – por sentido de responsabilidade, bem entendido - descer ao nível deles.

(…) Se nos outros países os trabalhadores aceitam condições de trabalho duríssimas, porque é sempre melhor que ficarem desempregados - assim dizem, em coro, os construtores – não se vê por qual razão o mesmo não deva acontecer no próprio país. Não há alternativas.
Infelizmente, no momento actual isso é verdade. Todavia, a falta de alternativas não caiu do céu. Foi construída pela política, pelas leis; em parte com instrumentos científicos, em parte pela obtusidade ou avidez.

Tocaria à política e às leis provar a redesenhar um mundo no qual as alternativas existem: para as pessoas não menos que para as empresas".