segunda-feira, abril 25, 2011

UM PAÍS DESMORALIZADO

Desmoralizado, indubitavelmente, mas continua a bailar sem querer aperceber-se que o barco afunda. Como se explica isto?

Não houve quem não apontasse a inoportunidade de um fim-de-semana pascoal excessivamente prolongado, mas ninguém mudou de programas e tudo se processou como de costume.
Deduz-se que o drama da nossa dívida seja apenas um bom tema de conversação, onde ninguém se exime de ditar sentenças ou formular execrações. Mas a culpa nunca é minha; é sempre do outro.

Somos um país na ruína, é inútil usar eufemismos, pois de outra forma não se saberia explicar um pedido de socorro financeiro tão elevado e que arrastará a compromissos gravosos.
Esperar-se-iam gestos de dignidade e uma assunção de responsabilidade comum para enfrentar os problemas resolutivos da nossa finança e economia. A mesquinhez, porém, é o elemento dominante.

Os senhores da política – é o que temos!... – ainda não compreenderam que a verborreia, quotidianamente expendida nos canais televisivos ou outros meios de comunicação, é mais um testemunho da irresponsabilidade e pequenez como enfrentam estes momentos de humilhação para o país que representam.
Ainda não compreenderam que saturam e indignam.

Seria hora, por exemplo, que o partido socialista pusesse fim à sólita acusação sobre a queda do “programa de estabilidade e crescimento”, o famoso PEC 4. Não tem outros argumentos menos gastos e mais edificantes? Não acha que é mais que tempo pôr de lado arrogâncias, omissões de erros, tácticas eleitorais e iniciar uma nova era de diálogo construtivo?

Pelo outro lado, aconselharia o Sr. Marques Mendes a pôr um freio a tanta verbosidade sobre os males e os culpados. Disso somos todos capazes.
E já que se exprime com tanta segurança e um enfático conhecimento de causa, prefira expor ideias inovativas e apresentar soluções apropriadas, se as tem; de nada mais necessita o país.

No que concerne o secretário-geral do PSD, Miguel Relvas, se falasse apenas quando é necessário, pesando bem as palavras, tudo redundaria num grande benefício para o seu partido e respectivo presidente. Mas vê-se que a importância do cargo lhe alterou o entendimento e o exibicionismo tribunício sobrepôs-se ao bom senso.

É com isto que temos de contar para uma futura governação?

E o nosso Portugal, financeiramente moribundo, internacionalmente humilhado, com urgentíssima necessidade de bons médicos internos, tem estes curandeiros litigiosos, capacíssimos de se engalfinharem mesmo à cabeceira do doente: é este o espectáculo quotidiano.

Os apelos à união e entendimento, provenientes de pessoas idóneas dos mais diversos sectores, têm sido inconsciente ou ostensivamente ignorados.

Nas comemorações do 25 de Abril, os mesmos apelos foram hoje solenemente reiterados. Surtirão efeito?

“Grandes males, grandes remédios”. Corrijo: para grandes males, grandes responsabilidades, engenho, dignidade e orgulho, pois não somos inferiores a ninguém. Torna-se verdadeiramente irritante o péssimo hábito que têm os portugueses de autodiminuir-se.

Assim, espero que esta crise seja uma excelente oportunidade para revolucionar completamente todo um modo comportamental de pensar, agir e impor-se. Revolucionará?

segunda-feira, abril 18, 2011

UM PAÍS ENVENENADO

Não me refiro a Portugal, mas ao segundo país que estimo, a Itália. Lá como aqui, a credibilidade da classe política anda pelas ruas da amargura. Todavia, o caso italiano, no que concerne o respeito pelas regras democráticas, apresenta um quadro inquietante.

Nesta última semana, as bacoradas, as injúrias do primeiro-ministro italiano contra a magistratura, não somente me indignaram como me enojaram.
Foi e é um chorrilho constante de ataques, cada qual o mais virulento e infame.

Não é tolerável que o chefe do poder executivo, numa linguagem de carroceiro, procure demolir outro poder soberano pela simples razão de se crer acima da lei: crime de lesa-majestade ter de se submeter à justiça.

A tornar ainda mais penoso este facto, é ouvirmos a maioria que o apoia repetir, acriticamente, os mesmos conceitos, os mesmos argumentos falaciosos daquele indivíduo. E no entanto, dentro daquele partido, presumo que haja pessoas de bem e com capacidade autónoma de juízo. Mas não se manifestam. Apenas obedecem.

Antes da entrada de Berlusconi em cena, todas as partes políticas mantiveram decoro e total respeito pelos órgãos de soberania e instituições.

Mercê de mentiras despudoradas, propaganda asfixiante, informação claramente manipulada, Berlusconi, com toda a potência dos seus meios económicos e mediáticos, conseguiu intoxicar boa parte da população, envenenar o clima político e social, atacar impunemente órgãos de soberania, transformar os membros do seu partido (PDL), por recíproca conveniência, em servidores fiéis.
Dir-se-ia que uma maldição se abateu sobre aquele belíssimo país.

Segundo a concepção daqueles politicastros, visto que fazem parte de uma maioria de governo legitimamente eleita pelo povo – não se cansam de o proclamar – arrogaram-se o direito de proceder, descaradamente, conforme os próprios interesses e, sobretudo, os do indivíduo que os lidera, mandando para as ortigas o primeiro artigo da Constituição: “A soberania pertence ao povo, o qual a exercita nas formas e nos limites da Constituição.” Quais limites e quais formas? Obliterados.
Chegou-se à democracia aparente; deu-se curso a uma indecência e arrogância sem paralelo.

Vejamos agora algumas bacoradas do cafone Berlusconi. Ah! A palavra italiana cafone (origem sul da Itália) originariamente designava camponês. Por extensão, passou a significar grosseiro, ignorante, mal-educado, vilão. O Sr. Primeiro-Ministro italiano reúne todos esses atributos negativos, além de outros. As frases que transcrevo, comprovam-no

Além de atacar a escola pública “com professores de esquerda que inculcam princípios contrários aos que inculcam as famílias”, o homem reserva o seu ódio ao órgão judiciário.
A magistratura é quase sempre citada como “togas vermelhas ou togas eversivas”.

É necessário acertar se existe uma associação de malfeitores dos magistrados. Muitos juízes seguem a esquerda e têm um projecto eversivo.”
As Brigadas Vermelhas usavam as metralhadoras; os magistrados, o poder judiciário”.
Esta foi a asserção mais nojenta e repugnante daquele indivíduo. Todavia, e como não bastasse, houve uma sequência.

Nos últimos dias da semana passada, toda a cidade de Milão, nos espaços destinados à propaganda política, apresentou-se atapetada de grandes cartazes. Uns com fundo azul de pura propaganda berlusconiana. Outros em vermelho, nos quais foi impressa a seguinte frase:
Via Le BR (Brigate Rosse) dalle Procure – Fora as Brigadas Vermelhas das Procuradorias.

Rebentou o escândalo, como era inevitável. Alguns membros do partido de governo viram-se forçados a criticar tal iniciativa. Apenas se esqueceram de condenar o instigador… ou financiador dos cartazes (indicados como bastante caros), o que não me surpreenderia.

Quem viveu o período de terrorismo das Brigadas Vermelhas, com uma interminável série de assassínios, raptos, atentados, certamente que fica indignado, pois também não esquece que foram assassinados 26 juízes, quer pelas BR, quer pela máfia.

Os cartazes foram removidos, interveio uma divisão da Polícia de Estado, houve buscas, sequestraram as matrizes, a procuradoria de Milão abriu um inquérito por vilipêndio da Magistratura.
Já se apresentou o autor, Roberto Lassini, mas acredito pouco que seja o verdadeiro responsável.

Termino com um comentário de Roberto Benigni: Berlusconi fica irritado com os cartazes que o atacam. Todavia, quando entrou na aula do Tribunal, o que mais o enfureceu foi ler o cartaz: A Lei é Igual para Todos.

segunda-feira, abril 11, 2011

A RENÚNCIA DE PRIVILÉGIOS

Recomendar renúncia de privilégios a quem os usa e deles abusa corresponde a um contra-senso para os privilegiados. E se estes pertencem à casta política, não somente é um absurdo como um insulto. Privilégios? Não, a casta política não tem privilégios, mas sacrossantos direitos.
Acontece que o cidadão comum tem grande dificuldade a inseri-los nessa escala.

Dois casos muito reveladores: um na Itália; outro no Parlamento Europeu. Ambos vieram à luz na passada sexta-feira, dia 8.

O salário mensal de um deputado italiano, acrescido de ajudas de custo, subsídios e quejandos ronda os 21 mil euros.
A semana passada, o ministro da Defesa e também deputado, o Sr. La Russa, ferrenho adepto da Inter quis assistir ao jogo Inter-Schalke.
Às 18,30 partiu de Roma para Milão num P180 da “Arma dos Carabineiros”. Assistiu à derrota do seu clube e regressou a Roma às 23h, noutro avião, também da aeronáutica militar.
Quanto custou ao erário público este indecente comportamento do ministro que, aliás, não é caso único?
Achei divertido o título da notícia que o jornal “Il Fatto Quotidiano” publicou “ : “Ilegítima Defesa: La Russa vai ao estádio de San Ciro com um voo de Estado”.

Recordo o grande Presidente da República Sandro Pertini. Ainda presidente, quando desejava visitar Savona, a sua cidade de origem, viajava nos aviões de carreira, pagando o bilhete como um normalíssimo passageiro. Outras estaturas políticas, obviamente. 

Dirijamos agora a atenção para o Parlamento Europeu ou, melhor, para os insaciáveis que têm assento nesse parlamento.
Como salários, subsídios, ajudas de custo, penso que usufruam de condições excelentes.
Todavia, a aprovação, por grande maioria, do “relatório Fernandes” (José Manuel Fernandes, PSD) sobre um orçamento 2012 de “austeridade e autocontenção no contexto da crise económica”, de autocontenção não tem absolutamente nada. Salários e regalias várias tiveram um aumento de 2,3%.

A austeridade destina-se ao vulgo. As castas pairam em ambientes superiores. E tanto assim, Miguel Portas apresentou várias propostas para uma ética e moralização claras sobre os benefícios. Entre estas, a “emenda 3” que propunha viagens aéreas em classe económica, quando inferiores a 4 horas. 

Uma proposta de muito bom senso, mas foi sonoramente rejeitada por uma maioria inequívoca: 402 votos contra; 206 a favor e 56 abstenções. Os senhores eurodeputados apenas aceitam viajar em classe executiva, isto é, classe de luxo.

Neste voto de rejeição, salientaram-se os eurodeputados do PSD.
Chamou-me a atenção o nome de Paulo Rangel. Sempre muito catedrático nos seus juízos de valor, mas não teve pejo de alinhar com os que não abdicam dos luxos e benesses que crêem inalienáveis.

Para finalizar, quero aludir ao uso e abuso dos automóveis de Estado.
Contaram-me de um deputado que ama viajar de Lisboa até estas zonas nortenhas num automóvel de Estado com respectivo motorista.
Chegado ao destino, o Excelentíssimo deputado (não sei se eurodeputado se da Assembleia da República) despede-se do motorista que, obviamente, regressa à Capital.
Causa de força maior ou normal desenvoltura no abuso dos bens de Estado?

A estes comportamentos, se verdadeiros, também se pode chamar clássico arrivismo do provinciano que, precisamente porque é um arrivista, não consegue absorver os princípios da dignidade e decência.  

segunda-feira, abril 04, 2011

QUANDO E SE


Inicio com a transcrição do um e-mail auspicioso que um velho amigo da Póvoa de Varzim me enviou há dias. È possível que seja já muito conhecido, pois este género de mensagens funciona como uma nova espécie de cadeia de Santo António.


Muito simplesmente, esta concentra-se na esperança de renovamento. Mas Quando?


QUANDO os Sócrates forem apenas filósofos; os Alegres apenas crianças; os Cavacos apenas instrumentos musicais; os Passos apenas os de dança; os Louçãs apenas erros ortográficos; os Jerónimos apenas monumentos nacionais; e Portas só de abrir e fechar… Voltaremos a ser felizes.


Se não felizes, pelo menos mais confiantes ou menos pessimistas e indignados do que, presentemente, nos sentimos.


O Primeiro-Ministro espanhol, Zapatero, anunciou que não se recandidatará, nas próximas eleições legislativas. Se o homólogo português tivesse feito o mesmo, não teria demonstrado uma dignidade a que nos desabituaram? Refiro-me àquela dignidade própria de um verdadeiro homem de Estado.


Se o Eng. Sócrates, perante o avolumar-se da belicosidade entre o Governo e os seus opositores, tomasse em séria consideração o facto de ser apontado como o principal “casus belli” da agitação política. Se, perante a incontrolabilidade do nosso débito soberano e a perspectiva de as famigeradas agências de notação financeira nos declararem país insolvente, não teria sido nobre da sua parte pôr-se de lado - tirando o tapete debaixo dos pés de quem se alicerçou nessa, e só nessa, justificação - dando azo à formação de um novo governo e um primeiro-ministro mais dialogante? Teria dado um óptimo exemplo de alta política.


Se o Dr. Passos Coelho fosse mais coerente, não tivesse conselheiros ávidos de bons cargos políticos ou similares e recorresse a pessoas ponderadas, responsáveis, desinteressadas, competentes, bons guias nos meandros da verdadeira política, encontrar-nos-íamos neste negativíssimo período de eleições? Eu creio que não. . Também não creio que alardeasse, com tanta desenvoltura, ideias neoliberais que bem se dispensam. O desenfreado neoliberalismo destes últimos tempos já provocou demasiados danos no estado social das democracias ocidentais. Tudo se quer com equilíbrio.


Sempre achei muito estranho o nome do nosso partido conservador, isto é, o partido de Passos Coelho: “Partido Social Democrático”. Confesso que o vejo como uma usurpação.

Eu tinha e tenho uma ideia muito clara e diversa do que é um partido Social-Democrático. Os exemplos de partidos sociais democráticos que vimos operar e que se formaram dentro desse âmbito, do conservadorismo pró-capitalismo sem freios têm muito pouco. Apenas os princípios, essencial e solidamente democráticos, que os distinguem dos partidos totalitários de esquerda. Ninguém desconhece que a Social-Democracia, democraticamente eficaz, foi o exemplo que aniquilou a retórica capciosa dos regimes comunistas.


Quando leio as intenções do Dr. Passos Coelho sobre a liberalização da escola pública; sobre privatizações a esmo, algumas das quais absolutamente intragáveis, como a privatização da gestão das águas públicas; sistema de saúde anulado e aplicado como assistencialismo caritativo, pergunta-se: mas que espécie de social-democracia é esta? Será democracia (talvez mais um arremedo que verdadeira), mas sem o social. Modelo tolerável, dentro das autênticas sociais-democracias?