segunda-feira, abril 18, 2011

UM PAÍS ENVENENADO

Não me refiro a Portugal, mas ao segundo país que estimo, a Itália. Lá como aqui, a credibilidade da classe política anda pelas ruas da amargura. Todavia, o caso italiano, no que concerne o respeito pelas regras democráticas, apresenta um quadro inquietante.

Nesta última semana, as bacoradas, as injúrias do primeiro-ministro italiano contra a magistratura, não somente me indignaram como me enojaram.
Foi e é um chorrilho constante de ataques, cada qual o mais virulento e infame.

Não é tolerável que o chefe do poder executivo, numa linguagem de carroceiro, procure demolir outro poder soberano pela simples razão de se crer acima da lei: crime de lesa-majestade ter de se submeter à justiça.

A tornar ainda mais penoso este facto, é ouvirmos a maioria que o apoia repetir, acriticamente, os mesmos conceitos, os mesmos argumentos falaciosos daquele indivíduo. E no entanto, dentro daquele partido, presumo que haja pessoas de bem e com capacidade autónoma de juízo. Mas não se manifestam. Apenas obedecem.

Antes da entrada de Berlusconi em cena, todas as partes políticas mantiveram decoro e total respeito pelos órgãos de soberania e instituições.

Mercê de mentiras despudoradas, propaganda asfixiante, informação claramente manipulada, Berlusconi, com toda a potência dos seus meios económicos e mediáticos, conseguiu intoxicar boa parte da população, envenenar o clima político e social, atacar impunemente órgãos de soberania, transformar os membros do seu partido (PDL), por recíproca conveniência, em servidores fiéis.
Dir-se-ia que uma maldição se abateu sobre aquele belíssimo país.

Segundo a concepção daqueles politicastros, visto que fazem parte de uma maioria de governo legitimamente eleita pelo povo – não se cansam de o proclamar – arrogaram-se o direito de proceder, descaradamente, conforme os próprios interesses e, sobretudo, os do indivíduo que os lidera, mandando para as ortigas o primeiro artigo da Constituição: “A soberania pertence ao povo, o qual a exercita nas formas e nos limites da Constituição.” Quais limites e quais formas? Obliterados.
Chegou-se à democracia aparente; deu-se curso a uma indecência e arrogância sem paralelo.

Vejamos agora algumas bacoradas do cafone Berlusconi. Ah! A palavra italiana cafone (origem sul da Itália) originariamente designava camponês. Por extensão, passou a significar grosseiro, ignorante, mal-educado, vilão. O Sr. Primeiro-Ministro italiano reúne todos esses atributos negativos, além de outros. As frases que transcrevo, comprovam-no

Além de atacar a escola pública “com professores de esquerda que inculcam princípios contrários aos que inculcam as famílias”, o homem reserva o seu ódio ao órgão judiciário.
A magistratura é quase sempre citada como “togas vermelhas ou togas eversivas”.

É necessário acertar se existe uma associação de malfeitores dos magistrados. Muitos juízes seguem a esquerda e têm um projecto eversivo.”
As Brigadas Vermelhas usavam as metralhadoras; os magistrados, o poder judiciário”.
Esta foi a asserção mais nojenta e repugnante daquele indivíduo. Todavia, e como não bastasse, houve uma sequência.

Nos últimos dias da semana passada, toda a cidade de Milão, nos espaços destinados à propaganda política, apresentou-se atapetada de grandes cartazes. Uns com fundo azul de pura propaganda berlusconiana. Outros em vermelho, nos quais foi impressa a seguinte frase:
Via Le BR (Brigate Rosse) dalle Procure – Fora as Brigadas Vermelhas das Procuradorias.

Rebentou o escândalo, como era inevitável. Alguns membros do partido de governo viram-se forçados a criticar tal iniciativa. Apenas se esqueceram de condenar o instigador… ou financiador dos cartazes (indicados como bastante caros), o que não me surpreenderia.

Quem viveu o período de terrorismo das Brigadas Vermelhas, com uma interminável série de assassínios, raptos, atentados, certamente que fica indignado, pois também não esquece que foram assassinados 26 juízes, quer pelas BR, quer pela máfia.

Os cartazes foram removidos, interveio uma divisão da Polícia de Estado, houve buscas, sequestraram as matrizes, a procuradoria de Milão abriu um inquérito por vilipêndio da Magistratura.
Já se apresentou o autor, Roberto Lassini, mas acredito pouco que seja o verdadeiro responsável.

Termino com um comentário de Roberto Benigni: Berlusconi fica irritado com os cartazes que o atacam. Todavia, quando entrou na aula do Tribunal, o que mais o enfureceu foi ler o cartaz: A Lei é Igual para Todos.

2 Comments:

At 9:55 da tarde, Blogger a d´almeida nunes said...

Viva, Alda

Por aqui ando nesta vida descontente, apesar de tudo tentando fazer a minha parte, a que julgo me competir, na sociedade.

Escusado será dizer que o momento nacional que vivemos me afecta e muito, ando confuso, de quem é a culpa, somos todos, quem é, afinal?

Quanto ao Sr. Berlusconi de facto é muito difícil imaginar um homem na qualidade de primeiro ministro da Itália a comportar-se como o faz, reincidentemente, sem grande reacção do Povo, que cheguem cá os ecos, pelo menos.

O poder político é uma arma muito poderosa. Aliada ao poder económico, parece estar a tornar-se imbatível.

Um grande abraço de amizade
O tempo está de chuva em regime de aguaceiros fortes...(para o caso de ainda não ter reparado! eheh)

António

 
At 3:29 da tarde, Blogger Alda M. Maia said...

Já mais animado, apesar da chuva?

O António anda confuso com a situação nacional,e não é para menos.
Eu ando preocupada.
Aonde iremos parar com os irresponsáveis que elegemos e que não param de arranhar-se uns aos outros? É isto que me assusta.

Quanto a Berlusconi, não sei que maus ares varrem a Itália que a impedem de se revoltar contra o mau cheiro da amoralidade daquele homem. É incrível!

Boa Páscoa
Um abraço
Alda

 

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