segunda-feira, setembro 26, 2011

UMA DAS PIORES CULPAS DE ISRAEL

A pior culpa do povo de um qualquer país democrático, no acto electivo, é escolher governos fundamentalistas. E por governo fundamentalista entendo o que apenas sabe dar voz a populismos arreigados. O que apenas entende que as próprias razões, princípios e programas são os verdadeiros, sacrossantos e, portanto, devem impor-se a quaisquer outras teses.

Noto também que muitos destes princípios assentam numa informação deformada sobre os factos e realidades que mereceriam, para bem de todos, uma ponderação honesta e de grande profundidade. Abstraindo a percentagem dos fanáticos, são estas deformações que alimentam a intolerância da população menos culta; a qual, por vezes, constitui a maioria de um país.

O actual Governo de Israel – coligação de "centro e extrema-direita" - é o melhor exemplo de uma administração deste género.
Certamente que, da parte palestiniana, fundamentalismos ou exigências irreais mais contribuíram para o reforço das pretensões e intransigências do outro lado. Porém, essas intransigências são inaceitáveis, quando alicerçadas, sobretudo, numa superioridade militar.

Sempre tive muita simpatia por Israel, sempre lhe darei razão quando defende o seu direito de existir como país e como povo. Precisamente porque lhe reconheço esse direito irrefutável, não o posso desculpar quando apenas considera as suas razões e esquece que existe um outro povo que tem igual direito e razões idênticas para reclamar o Estado da Palestina. Aliás, este princípio foi e é reconhecido pelas duas partes; as complicações surgem quando é necessário dar-lhe forma definitiva.

Atribuo ao governo Netanyahu, principalmente a este governo, o impasse das negociações de paz; o obstrucionismo sobre um acordo justo e equitativo tanto quanto possível para as duas partes; o isolamento, muito perigoso, em que colocou o seu país.

Nunca estive tão preocupado com o futuro de Israel. O desmoronamento dos pilares da segurança de Israel – a paz com o Egipto, a estabilidade da Síria e a amizade com a Turquia e Jordânia – juntamente com o governo mais inepto, sob o ponto de vista diplomático e mais incompetente sob o ponto de vista estratégico da sua história, colocaram o Estado Hebraico numa situação perigosíssima”. – Thomas L. Friedman

E é esta uma das piores culpas do Estado de Israel: ter dado maioria a extremas-direitas, pois na coligação de “centro e extrema-direita” que o governa, não se sabe onde acaba o centro e começa a direita fundamentalista, intransigente e irresponsável.

Em política, detesto os extremismos. No entanto, se a extrema-esquerda afoga na irrealidade e inexequibilidade de doutrinas já falidas, a extrema-direita (muitas vezes bem escondida sob um manto esquerdista) conhece mil maneiras falaciosas de enganar ou exaltar tendências sempre latentes nos perenes egoísmos dos cidadãos. Onde governam, dão sempre um amplo exemplo de mesquinhez, de horizontes sociais muito limitados e, por vezes, de uma truculência fora dos cânones de um país civilizado.

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Mahmud Abbas, presidente da Autoridade Palestiniana, solicitou a admissão da Palestina na ONU como um Estado independente e soberano.
Não creio que seja o momento justo para uma admissão plena, mas aprovo o acto de Mahmud Abbas.

A Palestina, com o decorrer dos anos e de todas as vicissitudes por que tem passado, encontra-se dispersa em várias zonas e formando diversas entidades, enumeradas e quantificadas por Bernardo Valli, grande jornalista de La Repubblica: 1 milhão de habitantes no território de Gaza; na Cisjordânia, 2 milhões e seiscentos mil; em Jerusalém, 300 mil; 5 milhões de palestinianos que vivem, de há décadas, em campos de refugiados; cerca de um milhão e trezentos mil palestinianos com cidadania israeliana.

Em face desta fracturação, onde as diversas entidades reclamam as próprias exigências e onde não há uma clara união de interesses, eis por que penso não seja ainda o momento adequado para admitir a Palestina como membro absoluto da ONU.

Se a Assembleia Geral lhe conceder o estatuto de observador permanente sem direito de voto – a “solução vaticana”, como lhe chamam – sem o voto decisivo do Conselho de Segurança, penso que para a Autoridade Palestiniana seria já um bom resultado e um motivo forte para entrar seriamente em negociações de paz.

Paralelamente, quão grande seria o milagre se aquela consistente percentagem de israelianos que desejam a paz e boa vizinhança com os palestinianos, partindo do isolamento em que os lançou o seu Governo “inepto e incompetente”, se lançassem nas ruas de todo o país, numa indignação bem gritada e persistente, o forçassem a escolher outros dirigentes sérios, equilibrados, responsáveis, dignos de uma democracia clarividente e completamente alheia a fundamentalismos religiosos.

Enfim, outros dirigentes que procurassem emular o gesto de Ytzhak Rabin quando estendeu a mão a Arafat.

segunda-feira, setembro 19, 2011

E NÃO SE VAI EMBORA!

Quando abro os jornais ou escuto os noticiários, tenho sempre a grande esperança de, finalmente, ser informada que Berlusconi se demitiu ou foi demitido. Definitivamente. Esperança vã.

A actual situação política italiana é um desastre. Por razões muito, mas muito menos graves do que as baixezas que, numa sucessão doentia, o primeiro-ministro contínua a infectar a credibilidade nacional, qualquer outro Governo já de há muito seria demissionário, varrido completamente. Mas a maioria que o sustenta é completamente destituída de sentido de Estado e respeito pelos interesses do país que representa - país este em grande crise e tão ameaçado pela crise global.

Em tantos anos que voto e conheço a política italiana, nunca vi uma maioria de Governo tão baixa, embora contenha uma percentagem de pessoas de grande dignidade. Pessoas estas, todavia, sem coragem de opor o seu voto à persistência de uma governação que apenas salvaguarda interesses de parte, a parte pior. Mas, acima de tudo, é uma governação transformada numa espécie de trincheira que protege o primeiro-ministro de prestar contas à Justiça.

E não contente com isto, lança uma campanha mediática contra a magistratura; sempre tratada, aliás, como o pior inimigo. Argumento central: “Não é normal um país onde a magistratura põe sobre escuta o telefone do primeiro-ministro”.
Asneira. A magistratura investiga suspeitos de crimes comuns. A imprensa séria imediatamente corrigiu a aleivosia.
"Não é normal um país onde um magistrado não pode pôr sob escuta um traficante de droga, um homiziado ou um corrupto sem embater-se, cedo ou tarde, na inconfundível voz do primeiro-ministro
Não é culpa dos magistrados de Nápoles ou Bari se o chefe do governo passa horas e horas ao telefone com trapaceiros, delinquentes ou suspeitos que devem ser investigados” - Curzio Maltese

Transcrevo algumas passagens do editorial de ontem de Eugénio Scalfari, fundador do jornal La Repubblica. Dá um perfeito retrato da situação.

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 "Um Premier à Deriva, Conivente e Chantageado"

[…] Nós, de há um tempo a esta parte, não estamos a ser governados. De há uns tempos, o nosso País precipitou até ao último degrau da credibilidade internacional. O “premier” que guia o governo tornou-se numa anedota, as chancelarias evitam de o encontrar, as autoridades europeias, às quais ele pede a esmola de um encontro, recusam-se a comparecer junto dele nas conferências de imprensa.

Serão necessários anos e anos antes de podermos recuperar a dignidade perdida; será necessário um esforço tenaz para restaurar as instituições, ocupadas e insidiadas por uma verdadeira corja da qual o “premier” faz parte e pela qual é sistematicamente chantageado.

Nestes últimos dias, a curiosidade da opinião pública concentrou-se, sobretudo, no desfile de prostitutas ou de “raparigas de vida” fornecidas pelo abastecedor a pedido do primeiro-ministro e aviadas para as residências privadas ou semipúblicas deste último. Mas a atenção principal, pelo contrário, deveria endereçar-se para os contactos sistemáticos do chefe do governo com alguns trapaceiros, a começar por aquele Lavitola que, simultaneamente, o serve e o chantageia.

É certamente escandaloso que, enquanto o País atravessa a sua crise económica mais grave, o “premier” confidencie às raparigas que se lhe concedem que ele é primeiro-ministro nas “horas vagas” ("a tempo perso").
É igualmente escandaloso que passe o tempo de trabalho com os seus advogados, a fim de evitar os processos e sufocar as escutas telefónicas, em vez de estudar os dossiês da dívida, do desemprego, de uma economia que é o último vagão do vacilante comboio europeu.
Mas o escândalo que não tem precedentes na história de Itália é a conivência do chefe do executivo com um bando que, explicitamente, mete as mãos na caixa do Estado, deturpa e convulsiona as instituições, os contratos públicos, as empresas públicas.

[…] Esta é, portanto, a situação na qual se encontra o nosso País: o presidente do executivo colude com trapaceiros que miram engordar as suas carteiras com recursos públicos; com eles usa o tratamento tu; com eles troca beijos e abraços; com eles programa encontros e favores, introdu-los na administração pública, intervém a protegê-los quando se sentem ameaçados, financia-os com dinheiro vivo para não deixar vestígios, fala através de telefones com sistema antiescutas (assim esperam).

[…] Quanto mais precipita a credibilidade de Berlusconi, mais aumenta a do Presidente da República. (O sublinhado a negrito é meu)

Scalfari, na parte final do seu artigo, faz um apelo a este grande Presidente  para que intervenha no Parlamento, segundo os poderes que lhe confere a Constituição, com uma forte mensagem sobre a mísera credibilidade do Governo.

Fá-lo-á? Aguardemos. Mas, entretanto, o homem permanece agarrado ao governo como uma lapa… e não se vai embora!

segunda-feira, setembro 12, 2011

UMA GRANDE TRAGÉDIA
PESADÍSSIMAS CONSEQUÊNCIAS

Falar do 11 de Setembro, concentrando a atenção nos pormenores daquela grande tragédia, seria mais uma voz repetitiva sobre a consternação de tanta dor, raiva, desorientação perante a surpresa daquele crime de fanáticos que nada, absolutamente nada poderia e pode justificar. Aconteceu, e naquele momento, os povos civilizados, não imbuídos de fanatismos, todos se sentiram americanos, e muito justamente.

Mas da tragédia de há dez anos, nasceram outras tragédias, numa cadeia interminável de consequências: guerras inexplicáveis; ressurgimento de xenofobias e racismos que tinham sido banidos, refutados, mas infelizmente sempre latentes; regimes políticos que descambaram para a aridez de um conservadorismo muito próximo dos nacionalismos de triste memória. E sobre este aspecto, a Europa começou a dar um inesperado e triste exemplo.

Viu-se como inevitável a guerra no Afeganistão, país onde o terrorismo assentara bases. Compreenderam-se as razões dos Estados Unidos em atacar e destruir aquelas células de terroristas, após o drama do World Trade Center, o “Ground Zero” de Nova Iorque. Todavia, qual a razão válida e justificativa da guerra no Iraque, debilitando o impulso que justificou os ataques no Afeganistão e enfraquecendo, portanto, as acções neste território?

E assim surgiram duas guerras infindáveis!
Não somente infindáveis, mas grávidas de tantas outras tragédias com um tremendo cortejo de destruição, mortes e ódios que se expandiram por todos os continentes.

Alguém, oficialmente, explicou aos cidadãos americanos os motivos por que se usaram subterfúgios e mentiras sobre a guerra no Iraque?
Alguém pôs o acento sobre ávidos interesses petrolíferos? Alguém explicou que essa seria uma causa abjecta da invasão daquele país, quando existiam iniciativas bem diversas para ajudarem os cidadãos iraquianos a libertarem-se de Saddam Hussein e darem avio a um regime democrático?

Detestei a forma como executaram o ditador. Talvez porque abomino a pena de morte. À barbárie não se responde com outra barbárie e actos de justiça não correspondem a actos de vingança selvagem.
Penso que haveria outros modos de punir severamente tiranos daquele jaez. Mas também compreendo reacções fortes ante quem eleva actos desumanos e criminosos a sistema de governo.

Quanta instabilidade, porém, criou esta guerra inoportuna e quantos cidadãos inocentes foram sacrificados! E não omitamos a prática de tortura e humilhações, na famigerada prisão de Abu Ghraib, por alguns soldados americanos. Foram castigados, mas estes primários imbecis contribuíram para o reforço da concepção de uma guerra estúpida e inexplicável, além de desacreditarem o próprio país.

O anti-islamismo proliferou e reforçou-se após o onze de Setembro. Na Europa, cresceu a onda anti-imigração muçulmana e certos partidos, reconhecidos como xenófobos, incluíram nos seus programas uma clara aversão à religião islâmica. Dou o exemplo da Liga Norte, na Itália.

Quando se manifestam sobre este tema, mais se acentua o meu desdém por estas ideias repugnantes. E mais nojentas se tornam quando são expressas por pessoas que se ocupam de política.
Ademais, não admito que se hostilize quem quer que seja pela religião que professa, pois todas são dignas do maior respeito. É uma opinião banal, eu sei, mas a única justa e adequada.
Paralelamente, recrudesceu a perseguição aos cristãos em vários países muçulmanos.

Tem-se a impressão, todavia, que nos últimos tempos se vai verificando uma aproximação e um diálogo inteligente entre as várias religiões. Oxalá deixe de ser uma impressão e se torne num facto real.

Como última consequência – consequência que a maior parte dos analistas não deixou de relevar - no afã em que se perdeu o Ocidente na caça ao terrorista e no consequente custo de milhares de milhões de dólares ou euros, o crescimento económico da China explodiu e os seus tentáculos no açambarcamento das matérias-primas não conhece fronteiras.
A economia americana retrocedeu, a crise económica e financeira instalou-se. Que os bons fados nos concedam bons ventos e óptimos timoneiros para ultrapassarmos a tempestade.

segunda-feira, setembro 05, 2011

AS FALSAS SOBERANIAS

Certamente que são oportunos e aconselháveis certos encontros e conversações do nosso Primeiro-Ministro com os chefes daqueles governos que se autoproclamaram instituição número um da UE e, portanto, são eles quem faz o bom ou o mau tempo dentro da União. Refiro-me, obviamente, a Berlim e Paris. Os outros membros assistem!...

Já não me agrada o modo quase subserviente como se procura entrar nas boas graças de um deles, Angela Merkel, a “Senhora mais potente do mundo”, segundo as conhecidas listas da revista Forbes.

Passos Coelho poderia ter evitado certas opiniões de alinhamento – sobre eurobonds, por exemplo - que mais se assemelham ao papaguear da liçãozinha de um aluno bem comportado que a um aturado raciocínio sobre este assunto.
Imediatamente lhe fez eco o ministro das Finanças, Vítor Gaspar, repetindo a opinião da chanceler alemã: as obrigações europeias (eurobonds) “são uma transferência de soberania”. Mas qual soberania?
Um pedido de ajuda, não gratuita, que parte de uma grave contingência e é apresentado com lealdade e ponderação, jamais deve prescindir da dignidade de quem dela necessita.

Quanto às “euro-obrigações” – títulos de dívida pública europeus - tal como foram propostas e defendidas por insignes europeístas (Mário Monti e Jean-Claud Juncker, por exemplo), significariam, acima de tudo, mais um escudo contra arremetidas de especulações financeiras bem orquestradas, além de criar situações de coesão e maior equidade nas taxas de juros, que diminuições de soberania de quem quer que seja. Ademais, não entrariam no mercado sem uma estrutura de regras bem claras e condições severas.

Em vez de ponderarem seriamente a questão, a relutância dos governos de França e Alemanha, sobretudo este último, tresandam a exclusivos e cegos interesses nacionais, quando, neste momento, do que mais necessita o euro é de uma “injecção de confiança” e de iniciativas enérgicas contra os ataques a que o submetem.

Se corresponde à verdade o que escreveu Wall Street Journal, deveria ser obrigatório, a todos os políticos de boa vontade, a leitura do relatório privado de 54 páginas de Alan Brazil, “o estratega mais importante” da sólita banca das indecências financeiras, Goldman Sachs, e que foi enviado aos melhores clientes deste banco.
Muito elucidativo quanto às sugestões sobre “uma estratégia de especulação da rebaixa, como ganhar com o desastre global e apostar na queda do euro”.
O mais estranho de tudo isto é a informação que Goldman Sachs é consultor do Governo espanhol. Será verdade?

Mas voltemos à Senhora Merkel. É assim tão potente como a apresentam? Será mesmo um líder que mereça amplo respeito e admiração, dentro e fora de casa? Dentro do próprio país, não me parece.

Vejamos o que nos informa um artigo amplo e bem estruturado de Andrea Tarquini, no jornal La Repubblica de quarta-feira passada, sobre o clima político que se respira na Alemanha:”A Última Trincheira de Angela Merkel”.

A maioria dos eleitores alemães deixou de acreditar na liderança do seu governo federal: 75% desaprova-o quanto à resposta que deu à crise do euro; 55% já nada espera das capacidades de A. Merkel para salvar a Alemanha e a Europa da crise; não lhe perdoaram ter-se posto ao lado da China e Rússia, na ONU, sobre o caso Líbia.
Eleitores da sua área política perguntam: “Que fizeram do europeísmo e da fidelidade ao Ocidente, os valores constitutivos da nossa democracia nascida das ruínas?”

Helmut Kohl critica o governo sem reservas: “Perdeu a bússola. Já não é um Grande atendível. Arriscamos a nossa fiabilidade perante a Europa e o resto do mundo”

O outro Helmut (também ex-chanceler) Helmut Schmidt, numa entrevista ao jornal Die Zeit e também publicada em La Repubblica, aplaude e reforça as críticas de Kohl.
Por causa dos erros da Merkel, a Alemanha está a perder a confiança dos europeus. É necessário que o mundo confie nos alemães e, actualmente, não é este o caso. Nem em Paris nem em Londres nem noutras capitais europeias. Os nossos vizinhos, neste momento, já não podem fiar-se dos alemães incondicionadamente. Enfrentam enigmas, interrogam-se sobre o que pretendem os alemães. Estes deram à Europa e ao mundo a impressão que a paz e o acordo dentro da CDU-CSU ou as eleições regionais são mais importantes do que a certeza que a integração europeia deve prosseguir.”

Líderes carismáticos ou péssimos, talvez esta malfadada crise nos ofereça duas lições de elementar bom senso: avaliar com mais atenção quem elegemos. Mas seremos capazes disso?
Pretender a máxima transparência sobre como e onde se aplicam os dinheiros públicos. Será utopia, mas tentemos.