segunda-feira, novembro 21, 2011

GOVERNO TÉCNICO OU APENAS GOVERNO?

Obviamente que me refiro ao tão falado “governo técnico” italiano, o Governo Monti.
Se é um governo com todos os carismas de um executivo que funcionará dentro das normas constitucionais; se é um Governo que nos dois ramos do Parlamento italiano foi aprovado por uma maioria sem precedentes,  fico perplexa ante certos comentários negativos ou duvidosos sobre a não observação das regras democráticas.

As críticas mais correntes argumentam que, sendo governos de emergência, não provêm de uma consulta eleitoral; logo, carecem de autenticidade democrática e constituem um mau precedente para as democracias europeias.
E por qual razão? Não haverá aqui uma certa dose de hipocrisia? Não serão um mero fruto de teorias de manual ou, muito simplesmente, de análises superficiais? Propendo para esta última hipótese.

Acaso houve derrube do executivo fora do que a Constituição determina? Nada se verificou a esse respeito. A maioria do ex-governo italiano, caótico e, em certos aspectos, desprezível, tinha deixado de ser maioria.
Várias vezes batida no Parlamento, na última votação sobre o programa de austeridade, este foi aprovado por 309 votos contra 321 de abstenções.

Se não fosse a ponderada e correctíssima intervenção do chefe de Estado, Berlusconi, irresponsável e arrogantemente, continuaria a ocupar o poder pro domo sua e a afundar o país.

Giorgio Napolitano designou Mário Monti como primeiro-ministro. Os membros do Governo foram escolhidos dentro do escol da sociedade italiana, isto é, pessoas de grande prestígio e competência.
Os maiores partidos - seja por táctica eleitoral, seja porque não entendiam governar juntamente com adversários até então severamente atacados - impuseram que não houvesse escolhas políticas.

Dentro das minhas perplexidades, há uma a que ainda não encontrei explicação convincente.
Se um qualquer designado primeiro-ministro decide formar o seu governo com elementos sérios, de reconhecido valor intelectual e, acima de tudo, competentes, deve seleccioná-los exclusivamente entre os membros eleitos para o Parlamento?
E são mesmo seleccionados - entre os melhores, obviamente - ou são impostos pelos chefes de partido ou coligação de governo? E os eleitos são verdadeiramente o que de melhor temos na nossa sociedade? Quem dera que assim fosse! Pelo menos ser-nos-ia poupado, por exemplo, uns Relvas e quejandos.

Bem venham os governos técnicos. Bem venha a autonomia de se escolher a competência, a seriedade, a fiabilidade em quem nos deve governar e decidir o que é melhor para o país. Tudo isto, evidentemente, conforme a Constituição e o imprescindível filtro de um Parlamento, pois são estas as regras fundamentais que caracterizam uma democracia.

Li no blogue de um intelectual português ("Da Literatura") o seguinte: “Monti, o sucessor de Berlusconi, fez questão de dizer que no seu governo não havia «pessoal da política», numa grosseira alusão ao facto de os seus ministros nunca terem concorrido a eleições. Monti gabou-se daquilo que o devia envergonhar. […] Tudo isto releva do inquietante rumo que a Europa prossegue”.
Parece-me ouvir Berlusconi!...

Aqui está o perfeito exemplo de uma opinião que não está em sintonia nem com o que Monti exprimiu nem com o que efectivamente representa este Governo para a credibilidade da Itália. O que demonstra, portanto, superficialidade e escassos conhecimentos da realidade política italiana, além de atribuir a Monti atitudes alheias à sua personalidade.

Não é verdade que Mário Monti se tivesse gabado do seu governo sem pessoal político, pois as intenções iniciais eram as de incluir, neste “Governo de empenho nacional” (assim o baptizou), membros dos principais partidos. Repito, foram estes que impuseram a escolha exclusiva de “técnicos”.

Li o discurso integral que Monti proferiu no Senado. Excelente no conteúdo, elegante no respeito pelo Parlamento e políticos ali presentes.
Isso a que no citado blogue é chamada “grosseira alusão” está completamente fora do comportamento, sempre muito correcto, do actual primeiro-ministro italiano. E quando escrevo “actual primeiro-ministro”, que alívio e satisfação!

Das últimas sondagens, resulta que cerca de 84% de italianos manifesta total aprovação ao governo de Mário Monti. Quase um plebiscito.
Não há a mínima dúvida que estavam enojados e saturados da ineficiência e ordinarice dos ex-governantes. Relativamente ao novo governo, não se cansam de apontar a grande diferença de seriedade e elegância de modos. Efectivamente, é abissal!

Oxalá que este executivo possa enveredar pelos melhores caminhos para chegar às metas desejadas e que o detestável populismo berlusconiano lhe não crie problemas. Nos demais partidos pode-se contar com um certo grau de responsabilidade. Ainda bem.

2 Comments:

At 6:26 da tarde, Blogger a d´almeida nunes said...

Olá Alda

Claro, mais uma vez, não me sinto à altura da sua capacidade de análise e do acerto das suas observações.

Fica-se com a sensação de que esta Europa, o mundo em geral, está a atravessar momentos de grande perturbação em vários aspectos. Sabemos que o Homem não se consegue encontrar, a crise é permanente, atravessa os séculos, apesar de termos conseguido grandes transformações.
Em que direcção é que estamos a caminhar? Sabemos nós qual o rumo que estamos a trilhar?

Tenho dias em que fico muito preocupado, deprimido até.
Nestes momentos acentua-se infinitamente a nossa sensação de impotência face ao que vai pelo mundo. Ai do Homem se não houver quem seja dotado de força incomum, capaz de galvanizar a sociedade de modo a que não cruzemos os braços.

A verdade é que a Democracia é a que emana do Povo, através dos seus representantes.
Que estes sejam dignos de tal força que lhes é endossada para usar da melhor maneira, para o bem de todos.

Monti parece, sem dúvida, ser a pessoa indicada para ajudar a Itália e a Europa a soerguer-se, que estamos a deixar-nos abater.

Que confusão é essa que referiu (in o blogue "Da Literatura" de que Monti não tem legitimidade democrática para ficar, ainda que transitoriamente - para já - à frente dum país como a Itália? Teremos que ser assim tão dogmáticos que não possamos aceitar que a Democracia se exerce no terreno, na prática do dia a dia que nos pode ajudar a levar a Justiça à frente, com o seu estandarte bem à vista de todos?

Um abraço, talvez esteja um pouco deprimido, sim
Amanhã vai ser outro dia...
António

 
At 7:36 da tarde, Blogger Alda M. Maia said...

Boa Noite, António

O que me preocupa é o caos que reina na União Europeia.
Assusta-me a pequenez da líder alemã, precisamente porque se crê a autoridade máxima que dita normas. Reprova quaisquer iniciativas que sirvam para aplacar os mercados famélicos. Por último, esquece-se que o próprio país também deve lidar com uma dívida soberana não muito própria de "país virtuoso" que pretende dar lições.

E a nossa Europa que afunde.
Mas se aquela Senhora falasse menos!

Mário Monti, junto de Sarkozy e Merkel é um gigante de competência.
Espero que,finalmente, possamos ver uma pessoa de valor a equilibrar os ziguezagues do duo Merkozy.

Não se deprima. Tenha esperança, pois as crises, normalmente, são propícias a despertar as boas ideias adormecidas de quem deve encontrar soluções. E que Deus me ouça!

Um grande abraço e muito obrigada pela sua bondade para com o que vou escrevendo.
Um beijinho à Zaida
Alda

 

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