domingo, maio 06, 2012

O MANIFESTO DOS INTELECTUAIS EUROPEUS

Quando as situações se agravam e degeneram; os abusos e oportunismos abafam o bom senso e a concepção do bem comum; governos democraticamente eleitos esquecem as principais regras da democracia e querem resolver problemas autoritariamente e sem um mínimo de sensibilidade pelos mais débeis ou os que não têm voz influente… Quando tudo isto sucede, aplaudo com entusiasmo quem bate o punho na mesa -  civilizada e pacificamente - diz “basta!” e reage.

Aconteceu-me tudo isto, quando li o manifesto apresentado por Ulrich Beck (famosos sociólogo alemão) e Daniel Cohn-Bendit (deputado europeu e também famoso estudante do Maio 1968). Será publicado, ou já o foi, nos principais jornais europeus.

È impressionante a lista das adesões ao manifesto, quer pelo número, quer pela espessura intelectual, política, artística, científica de grandes figuras europeias, apoiantes e signatários desta iniciativa.
Será, ou já foi publicado, nos mais importantes jornais europeus. Traduzo a versão publicada no jornal La Repubblica de 03 – 05- 2012.
Se ainda não conhecem ou não leram o texto deste manifesto, leiam-no. Vale bem o tempo despendido na leitura.

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A EUROPA SOMOS NÓS
É O MOMENTO DE RECONSTRUÍ-LA

Ulrich Beck e Daniel Cohn-Bendit

Um Ano Europeu de Voluntariado para Todos como resposta à crise do euro: para taxistas e teólogos; para trabalhadores e desempregados; para dirigentes e músicos; para professores e alunos; para escultores e ajudantes de cozinheiro; para juízes do Supremo e cidadãos idosos; para homens e mulheres.
Os jovens da Europa nunca foram tão instruídos, todavia, sentem-se impotentes face à iminente bancarrota dos Estados-nação e ao declínio terminal do mercado de trabalho.

Entre os europeus com menos de vinte e cinco anos, um em cada quatro está desempregado. Nos múltiplos lugares onde levantaram acampamentos e lançaram protestos públicos, os jovens, defraudados dos seus direitos, reivindicaram justiça social. Em qualquer parte – na Espanha, Portugal, nos países da África do Norte, nas cidades americanas ou Moscovo – esta solicitação eleva-se com força e grande fervor. Cresce a raiva contra um sistema político que salva os bancos monstruosamente endividados e delapida o futuro dos jovens.
Mas quanta esperança pode ainda existir para uma Europa que envelhece constantemente?

O presidente americano, John F. Kennedy, maravilhou o mundo com a sua ideia de fundar um Corpo da Paz. «Não pergunteis o que a América pode fazer por vós, mas o que vós podereis fazer pela América».
Nós, assinando este manifesto, queremos que sejais o porta-voz da sociedade civil europeia. Por este motivo, pedimos à Comissão Europeia e aos Governos nacionais, ao Parlamento Europeu e aos Parlamentos nacionais que criem uma Europa dos cidadãos com um emprego activo e de fornecer os requisitos financeiros e legais para o Ano Europeu de Voluntariado para Todos, qual contramodelo à Europa do alto, a Europa das elites e dos tecnocratas que tem prevalecido até hoje e que se sente investida da responsabilidade de forjar o destino dos cidadãos europeus, contra a sua vontade, se necessário.
Porque é esta máxima não declarada, da política comunitária, que está a ameaçar a destruição do inteiro projecto europeu.

O nosso escopo é o de democratizar as democracias nacionais para reconstruir a Europa no espírito do pensamento de Kennedy: não pergunteis o que a Europa pode fazer por vós, mas o que vós podereis fazer pela Europa, fazendo a Europa!

Nenhum pensador progressista, desde Jean-Jacques Rousseau a Jürgen Habermas, jamais quis uma democracia que consiste, unicamente, na faculdade de votar em períodos regulares.
A crise do débito que está a esfrangalhar a Europa não é simplesmente um problema económico, mas é também um problema político. Temos necessidade de uma sociedade civil europeia e da visão de gerações jovens, se queremos resolver as pungentes questões da actualidade. Não podemos deixar que a Europa seja transformada no alvo de movimentos enraivecidos de cidadãos que protestam contra uma Europa sem os europeus.
A Europa não pode funcionar sem a contribuição dos europeus empenhados na sua causa; os europeus não podem fazer a Europa se não podem respirar o ar da liberdade.

A acção prática - transcendendo os confins estreitos do Estado-nação, da religião e da etnia - que o Ano Europeu do Voluntariado para todos quer promover não deve ser compreendida como uma débil tentativa institucionalizada para cobrir os fracassos europeus. É uma visão que deseja abrir espaços para a criatividade.
Não se trata de um meio para distribuir esmolas aos jovens desempregados: é um acto de auto-afirmação da sociedade civil europeia, um acto que pode ser usado para construir uma nova Constituição propositiva, a partir do baixo, para repristinar a criatividade política e a legitimação da Europa.
A liberdade política não pode sobreviver numa atmosfera de medo. Pode prosperar e radicar-se somente se as pessoas têm um tecto a abrigá-las e sabem como fazer para viver: amanhã e quando serão velhas.
Eis por que o Ano Europeu do Voluntariado para Todos tem necessidade de bases financiarias sólidas. Solicitamos às empresas europeias que dêem o seu justo contributo.

Se deseja construir uma cultura a partir do baixo, a Europa não pode permitir-se de recair em linhas de acção predefinidas. Os cidadãos desta Europa irão para outros países e empenhar-se-ão nos problemas transnacionais sobre os quais os Estados nacionais já não estão em condições de oferecer soluções apropriadas, como seja: o degrado ambiental; as mudanças climáticas; os movimentos de massa de refugiados e migrantes; o radicalismo de direita.
Aproveitar-se-ão das redes europeias de arte, literatura e teatro como palco para promover a causa europeia. É necessário estipular um novo contrato entre o Estado, a União Europeia, as estruturas políticas da sociedade civil, o mercado, a previdência social e a sustentabilidade do ambiente.

O que existe de bom na Europa? Qual é o valor da Europa para nós? Qual modelo poderia e deveria ser a base da Europa no século XXI? São questões abertas que devem ser enfrentadas urgentemente.
Para nós, de “We Are Europe”, a resposta é esta: a Europa é um laboratório de ideias políticas e sociais sem equivalência em nenhuma outra parte do mundo.
Mas o que é que constitui a identidade europeia? Poderíeis responder que a “europeidade” nasce do diálogo e da dissensão entre muitas culturas políticas diversas: a do cidadão, do citoyen, do citizen, do Staatsbürger, do burgermatschappij, do ciudadano, do obywatel. 
Mas a Europa é também a ironia, é a capacidade de rir de si mesmos. E o melhor modo para encher a Europa de vida e de gargalhadas é que os cidadãos comuns ajam em conjunto, espontaneamente.