domingo, setembro 23, 2012

A GLOBALIZAÇÃO SUFOCOU A POLÍTICA

Sufocou a política ou causou o “divórcio entre a política e o poder”.
No dia 10 deste mês, Il Messaggero (jornal romano ultracentenário) publicou uma entrevista com Zygmunt Bauman: Globalização do poder e crise da política: entrevista a Zygmunt Bauman – de Massimo Di Forti.

Leio sempre com muito interesse e grande atenção artigos ou tudo o que diga respeito a este sociólogo e filósofo de origem polaca, naturalizado inglês.
Traduzo parte do preâmbulo e o texto integral dessa entrevista.

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 A razão desta crise, que de há cinco anos, pelo menos, envolve todas as democracias e as instituições e que não se compreende quando e como acabará, é o divórcio entre a política e o poder”.
"Zygmunt Bauman consegue, imediatamente, chegar ao cerne da questão sem expender palavras inúteis.
Não é por acaso que possui o dom do que Charles Wright Mills chamava a imaginação sociológica, a capacidade de fixar numa frase, numa ideia, a realidade de uma inteira época. E o grande polaco fê-lo com a sua metáfora da “Vida Líquida” e da “Modernidade Líquida” (o que é mais fugidio e difícil de prender do que a água e os seus fluxos?) para descrever, com clareza genial, a precariedade e instabilidade da sociedade contemporânea". […]

Professor Bauman, é por este motivo que os políticos parecem mover-se sem orientação, perante a crise?
“Sim. O poder é a capacidade de exercer um comando; a política a de tomar decisões e de orientá-las num sentido ou no outro. Os Estados-nação tinham o poder de decidir e uma soberania territorial. Porém, este mecanismo foi completamente subvertido pela globalização, porque esta globalizou o verdadeiro poder, ultrapassando a política.
Os governos já não têm um poder e um controlo dos seus países, visto que o poder está muito para além dos seus territórios.
 São atravessados pelo poder global da finança, dos bancos, dos meios de comunicação, da criminalidade, da máfia, do terrorismo… Cada poder zomba das regras e direito locais… E também dos governos.
A especulação e os mercados estão sem controlo, enquanto assistimos à crise da Grécia ou da Espanha ou da Itália…”

É a idade da “propriedade absentista” da finança, como lhe chamava Veblen: era melhor antes?
“O capitalismo de hoje é um grande parasita. Ainda procura apropriar-se de terrenos virgens, intervindo com o seu poder financeiro onde é possível acumular os maiores lucros.
É o fecho de um círculo, de um poder auto-referencial, o dos bancos e do grande capital. Obviamente, estes interesses impeliram, mesmo com os cartões de crédito, a alimentar o consumismo e o débito: gasta imediatamente, goza-o e paga amanhã ou depois.
A Finança criou uma economia imaginária, virtual, movendo capitais de um lugar para o outro e ganhando juros.
O capitalismo produtivo era melhor, porque funcionava segundo a criação de bens, ao passo que agora não se fazem negócios produzindo coisas, mas fazendo trabalhar o dinheiro: a indústria cedeu o lugar à especulação, aos banqueiros, à imagem.”

Não existem regras, deveremos criá-las. Teremos mesmo necessidade de uma nova Bretton Woods….
“O problema é que, hoje, a política internacional não é global, enquanto o é a da finança. Portanto, tudo é mais difícil em relação a alguns anos atrás. Deste modo, os governos e as instituições não conseguem impor políticas eficazes. Mas é claro que jamais conseguiremos resolver os problemas globais se não recorrermos a meios globais, restituindo às instituições a possibilidade de interpretar a vontade e os interesses das populações. Estes meios, todavia, ainda não foram criados.”

A propósito da crise europeia. Não acha que os países da União Europeia ainda estejam divididos por interesses nacionalistas e por velhos truques que impedem uma real integração política e cultural?
“É verdade, mas também é o resultado de um círculo vicioso que a actual condição de incerteza favorece. A falta de decisão e a impotência dos governos activam atitudes nacionalistas de populações que se sentiam mais bem tuteladas pelo velho sistema. Vivemos numa condição de vazio comparável à ideia de interregno da qual falava Gramsci: existe um velho sistema que já não funciona, mas ainda não temos um alternativo que o substitua.”

A globalização também produziu aspectos positivos. Há vinte anos, na Europa não havia um africano, um asiático, um russo. Éramos todos brancos, franceses, alemães, italianos, ingleses… Hoje, finalmente, poder-nos-emos confrontar. Conseguiremos fazê-lo num terreno comum?
“É uma tarefa difícil, muito difícil. O objectivo deve ser o de viver em conjunto, respeitando as diferenças. Por um lado, há governos que procuram travar ou bloquear a imigração. Por outro, há-os mais tolerantes, mas tentam assimilar os imigrados. Em ambos os casos, trata-se de procedimentos negativos.
As diásporas destes anos devem ser aceites sem cancelar as tradições e as identidades dos imigrados. Devemos crescer juntos, em paz e com um benefício comum, mas sem anular as diversidades que, pelo contrário, representam uma grande riqueza.”

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 Permito-me discordar, numa pequenina parte, deste último parágrafo, quando alude ao respeito das tradições dos imigrados.
Existem tradições que chocam com as nossas leis e com a dignidade das pessoas: a poligamia e a inferioridade das mulheres, por exemplo. Não creio possam ser assimiláveis.
É inegável que as diversidades representam uma riqueza, mas que estas diversidades não alimentem fundamentalismos e a degradação de um outro ser humano.
Em tudo o mais, perfeitamente de acordo.