segunda-feira, setembro 17, 2012

E SURGE UM DILEMA

Incondicionada liberdade de expressão ou uma liberdade de expressão responsável? Este é o dilema.
O motivo que desencadeou, nestes últimos dias, ataques violentas contra as embaixadas americanas em vários países de religião muçulmana, é e continua a ser um excelente pretexto dos profissionais da violência para orquestrar agressões à odiada América ou o que ela representa. De caminho, atinja-se, também, todos os demais países «infiéis» do Ocidente.

Como primeiras vítimas inocentes, um embaixador, Christopher Stevens, que dedicava grande simpatia e profunda atenção aos problemas líbios e ao mundo muçulmano, e três funcionários da sede diplomática em Bengasi. Porém, inocentes ou não, estas considerações são inassimiláveis por quem apenas sabe cultivar ódios.  

Não se pode negar que esse motivo, o filme “Inocense of Muslim” (A Inocência dos Muçulmanos) é simplesmente nojento e intolerável.
Li um resumo dessa obra-prima do insulto, ordinarice e blasfémia e compreendo perfeitamente a indignação de quem professa a religião islâmica. Porém, essa compreensão, justa e devida, não abrange a violência como é manifestada.
  
É muito estranho, todavia, que só agora servisse de rastilho para atear a fúria dos fanáticos, visto que era conhecido há, pelo menos, seis meses. Mas havia que recordar um 11 de Setembro.
 
Mais estranha ainda a forma como esse filme foi financiado. Publicam-se as mais diversas informações, quer sobre os financiadores, quer sobre o produtor, Nakoula Basseley Nakoula - cristão copta oriundo do Egipto - incluindo a posição dos intérpretes que afirmam terem sido enganados.
Enfim, obra grávida de consequências, além de estúpida e, efectivamente, repugnante.

Foi produzido nos Estados Unidos. Um vídeo de 14 minutos com os excertos mais ofensivos sobre Maomé, legendados em árabe, circula no You Tube.
Google anunciou limitações ao acesso a este vídeo. Por que razão não o anula, muito simplesmente? Mas existe a «primeira emenda» da Constituição americana: “o Congresso não pode infringir ou limitar seis direitos fundamentais”, sendo o quarto e o quinto a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa.

Repito, é aqui que se apresenta o dilema. Liberdade de expressão total, sem entraves nem ponderação sobre os conteúdos, ou liberdade de expressão responsável? Faz sentido a prática dessa intocável liberdade, indiferente a todas e quaisquer consequências graves?

Numa entrevista a Ian Buruma (ilustre ensaísta e professor universitário holandês, naturalizado britânico), este declara que o filme anti-Islão é condenável, mas, paralelamente, o direito de expressão deve ser defendido.
Estou absolutamente em sintonia com a «primeira emenda» que considero uma grande riqueza deste país (América) e respeito mesmo a liberdade de afirmar coisas estúpidas e ofensivas. O limite, para mim, está na violência, a qual se deve sempre recusar e condenar”.

No artigo de Bárbara Spinelli - “Entre a Liberdade e Responsabilidade” – lêem-se outras considerações sobre o mesmo assunto, embora defendendo sempre o direito de expressão, mas equilibrando-o com o sentido de responsabilidade, não esquecendo culturas onde aquele direito é inexistente e, portanto, dificilmente assimilável.
Esta força de ofender tem um nome sagrado estabelecido pelas leis liberais, especialmente invioláveis na cultura política americana: chama-se liberdade de opinião, de expressão, de publicação … uma força soberanamente indiferente às consequências…
É o homem pensante que junta o que o instinto irreflectido separa: a liberdade e a responsabilidade; o direito de dizer o que quer que seja e o dever de não desprezar e desclassificar pessoas e religiões diversas…
A fronteira entre a liberdade e responsabilidade é uma linha muito ténue”.

Termino com outra opinião: O ódio em questão não é de fanático a fanático. Não é Al Qaeda contra o norueguês Breivik. O ódio que nestes dias incendeia as praças e versa sangue é contra uma única, imensa tribo de blasfemos e de impuros. Só o mundo islâmico tem a faculdade de desactivar, com o tempo necessário, este violento, arcaico mecanismo que não reconhece nas pessoas, pessoas, mas apenas membros de uma fé amiga ou de uma fé inimiga” – Michele Serra