segunda-feira, março 25, 2013

O NOSSO PATRIMÓNIO LINGUÍSTICO,
QUEM O PROTEGE?

Verificar que é amesquinhado, dentro do seu território natural e precisamente pelas instituições que o deveriam proteger e dignificar, provoca desconforto, indignação e revolta.

Quarta-feira, dia 20 /03/2013, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa teve lugar o fórum “Onde pára e para onde vai a língua portuguesa?”.
Este evento, organizado pelas ilustres professoras Ana Isabel Buescu (FCSH-UNL), Maria Filomena Molder (FCSH-UNL) e Teresa Cadete (Faculdade de Letras-UL), obteve um vasto interesse: agradável saber que houve lotação esgotada.

Nunca conformada com as ofensas que esta minha língua materna tem coleccionado nos últimos anos, sigo com elevada atenção tudo o que diga respeito a esta malfadada e insuportável causa. E o que mais lamento e me irrita é a arrogância e indiferença como tudo isto se processa. Não se vislumbra um mínimo de respeito e atenção, a níveis oficiais superiores, pelo que, a este respeito, pensa e quer a maioria dos cidadãos portugueses. É admissível? Não, não é. 

Lamento também que eventos como o fórum de Lisboa se não multipliquem por todo o País, se lhes dê a máxima ressonância e que a indiferença, este execrável factor, seja anulada com os bons e robustos argumentos que não escasseiam: são esmagadores. Bastaria saber despertar o interesse por tudo o que nos identifica e avivar a dignidade implícita, mas adormecida. 

Hoje, porém, não quero ocupar-me do sempre odiado acordo ortográfico, ratificado e imposto pelos políticos que elegemos: não ressalvo nenhum, inclusive dois presidentes de República a quem dei o meu voto.

Desejo falar de outro género de abastardamento do português de Portugal.
Já uma vez, neste blogue, aludi ao abuso de impor o português que se fala em Lisboa como “língua padrão”.
Só gostaria de conhecer o nome ou nomes dos génios que decretaram, no ensino da nossa língua, esta novidade. Nos meus tempos de estudante, sempre indicaram Coimbra. A que se deve a pretensão de Lisboa?

Não estou contra os falares dos lisboetas, pois são tão dignos como os falares de qualquer outra região portuguesa. Simplesmente, não reconheço nem aceito esse modelo como língua padrão. Até nisto teremos de suportar esta espécie de centralismo tanto estúpido quanto inoportuno?

É de há longos séculos que as fronteiras do nosso território se mantêm imutáveis. A nossa língua evoluiu em todo o país por igual e, portanto, com as mesmas regras. Temos necessidade de eleger uma região como modelo? Não temos.
Embora, normalmente, a língua falada por cada um de nós possa indicar a zona donde provimos, as regras ortoépicas, ortográficas e gramaticais do nosso português estão consagradas na gramática normativa portuguesa e isto, sim, é a língua padrão que devemos seguir e ensinar. Não a abastardemos com o que se usa em Lisboa que, sobretudo no que concerne a ortofonia, deixa muito, mas muito a desejar.

Lendo, nos nossos jornais, a tradução das palavras do novo papa, não pude evitar enfado e até irritação pelo uso e abuso do vocábulo vocês.
Já aqui escrevi sobre o que duas gramáticas - das mesmas autoras, mas de anos diferentes (2006 e 2012) - ensinam aos nossos alunos e que, pelos vistos, é seguido religiosamente. De novo, transcrevo o que me deixou boquiaberta: Nota que o pronome pessoal vós praticamente não se usa na língua padrão e é substituído por outras formas, em geral vocês.

Não quero dissertar sobre o que é a evolução de uma língua e o que constitui o abastardamento da mesma. Como em Lisboa se usa o “você / vocês”, o coloquial ganhou foros de língua cuidada e a televisão encarregou-se de colonizar o resto do país. Mas quanta deselegância na língua escrita e até mesmo na linguagem falada!

“Avete lavorato, eh! Avete lavorato!” (Trabalhastes, eh! Trabalhastes!) Versão do jornal: Vocês trabalharam, eh! Trabalharam!
Por que razão se oblitera a segunda pessoa do plural? Dificuldades de conjugação? Efectivamente, sobretudo no modo conjuntivo, a respectiva forma verbal oferece espaço para algumas calinadas.
Como é óbvio, estamos a falar de uma indispensável, fundamental riqueza da língua: não sabem disso as senhoras autoras de gramáticas desenvoltas? Ou deveremos deitar ao lixo as formas verbais da segunda pessoa do plural, visto que impera o "vocês" que exige a terceira?

O Papa usou sempre o pronome voi (vós) quando se dirigia directamente aos jornalistas e se exprimia em italiano, mas foi traduzido como Lisboa comanda: […] a vocês que trabalharam aqui em Roma neste período tão intenso [] Saúdo cordialmente a cada um de vocês. (Público de 17/03/2013, pág. 5)

De uma jornalista que admiro, Teresa de Sousa, referindo-se ao que disse João Paulo II aos polacos: Vocês não são quem eles dizem que vocês são. Deixem-me lembrar-vos de quem vocês são. O destino da Polónia depende de vocês. (Público de 15/03/2013, pág. 5)

Sem o vocêsmania, num português mais cuidado e harmonioso, não seria melhor ter escrito: “Vós não sois quem eles dizem que sois. Deixem-me lembrar-vos de quem sois. O destino da Polónia depende de vós”?