segunda-feira, dezembro 02, 2013

A COMÉDIA DA ARTE

Exactamente, “la commedia dell’arte” refulgiu no dia 27 de Novembro, prosseguindo nos dias seguintes, após a expulsão de Berlusconi do Senado: “uma vítima sacrificial dos comunistas e de uma magistratura que se comporta como as Brigadas Vermelhas”.
“A lei foi espezinhada; foi um pelotão de execução. Luto pela democracia. Isto é uma perseguição sem igual. Defendo a liberdade… etc., etc., etc.

Entraram em acção as manifestações dos simpatizantes e os cartazes que exibiram demonstraram bem o esvaziamento do respeito pelas instituições e pela verdade dos factos. Mas isso nunca foi novidade: é inerente ao berlusconismo.

“Berlusconi como Jesus”; “É um golpe de Estado”…    
Berlusconi como Aldo Moro, assassinado pelas Brigadas Vermelhas.
Recordando a tragédia do rapto e assassínio de Aldo Moro e quem foi esta personagem política, surge o ímpeto (não aceitável, evidentemente) de correr à cacetada estes defensores de um amoral sem dignidade política. Tudo se aceita em favor da liberdade de expressão, menos bacoradas que ofendem a memória de quem sempre cultivou essa dignidade.

Afastar Berlusconi do Senado, um condenado a quatro anos de prisão por fraude fiscal, após ter percorrido as três instâncias judiciais, nada oferece de anormal ou injusto, pelo contrário: a lei é igual para todos e respeita-se. Anormal foi a reacção e o comportamento teatral do condenado que, durante quatro meses, bombardeou o país com protestos e acusações aos “comunistas e magistrados”. Comunistas são os que o não votam e que ele coloca à esquerda.

Usou e abusou de todos os meios de defesa que a lei concede. Não lhe faltaram garantias. Se, após a sentença definitiva, tivesse um mínimo de dignidade, teria apresentado, imediatamente, a sua demissão do Senado. Receberia aplausos, até mesmo de quem o detesta.
Mas a sua desmesurada egolatria não lho consentiu. E assim deu início a uma perfeita comédia da arte, mas indecente.

Proclamação tonitruante, enquanto o Senado votava a sua expulsão: “É um dia de luto para a democracia. A partir de 1994, uma magistratura de extrema-esquerda deu-se como missão a via judiciária para o socialismo. São 52 processos que atiraram para cima de mim. Lutámos, defendemo-nos, empregámos tantos recursos económicos, procurando não perder a serenidade. Saímos sem nenhuma condenação de 41 processos”.

Esta história dos 52 processos é uma das muitas e descaradas mentiras que repete em continuação; aldrabice repetida com unção pelos seus apoiantes.
Os processos movidos contra este senhor são cerca de 18 ou 19. Não é pouco, mas também não é muito, dada a sua incapacidade de saber distinguir o lícito do ilícito, propendendo mais para a ilicitude.

Quanta à sua defesa da democracia, vejamos, nas palavras do director de La Repubblica, o que ele entendia como práticas democráticas nas questões judiciais, quando primeiro-ministro:
(…)“Excepção para um único homem, a excepção permanente. Primeiro, deformando as normas, prolongando o processo, encurtando a prescrição, chamando «lodo» (medida legislativa) aos privilégios, convertendo em normas os abusos. Em seguida, contestando, não a acusação, mas os magistrados: inicialmente, os magistrados do ministério público; depois os juízes; por último, a inteira categoria. Logo, contestando o processo. Naturalmente, recusando a sentença. Enfim, condenando a condenação”.

Alguns dias antes da sua expulsão, escreveu uma carta aos seus principais adversários políticos: Partido Democrático e Movimento Cinco Estrelas.
Li a versão integral e apenas vi argumentos banais para apelar a uma “autêntica pacificação, isto é, uma legitimação recíproca entre as grandes forças políticas”. “Não assumais uma responsabilidade que pesaria para sempre sobre a vossa imagem, a vossa história pessoal, a vossa consciência. Uma responsabilidade da qual, no futuro, devereis envergonhar-vos perante os vossos filhos, os vossos eleitores e todos os italianos”.

Os 192 senadores que votaram a favor da expulsão - em oposição aos 114 que votaram contra e duas abstenções - não se comoveram, bem conhecendo o pensamento dos milhões de italianos que estão saturados de Berlusconi e da sua concepção aberrante do valor das instituições num Estado de direito: “quem recebe oito milhões de votos não pode ser processado, pois seria um golpe de Estado. A justiça deve estar ao serviço da política”.
E foi este senhor que ocupou três vezes o cargo de primeiro-ministro!

Acabando como iniciei. Comédia da arte em todo o seu esplendor! Divertiu-me a imagem e respectivos lamentos de várias parlamentares berlusconianas que se apresentaram no Senado vestidas de luto; outras com roupas escuras.
Algumas têm razão de prantear o que fizeram ao seu tutor. Sem a desenvoltura e desfaçatez como ele escolhia os candidatos, estas senhoras jamais teriam entrado no Parlamento italiano.