segunda-feira, março 10, 2014

MAS O FUTURO SERÁ MESMO MULHER?

Tinha decidido escrever sobre um assunto diverso, mas a leitura do artigo, publicado ontem no jornal La Stampa -  “Eis por que o futuro é mulher - do grande oncologista Umberto Veronesi, fascinou-me. Não só pelo que expõe e defende, mas também porque é muito adequado ao momento actual. Decidi traduzi-lo. Antes, porém, esclareçamos quem é o autor.

Umberto Veronesi é um prestigiado médico cirurgião milanês, grande estudioso sobre a prevenção e cura do cancro, tendo dedicado especial atenção ao carcinoma mamário. É director científico do “Instituto Europeu de Oncologia” em Milão.

Um dos grandes assuntos actuais, em discussão no parlamento italiano, é a nova lei eleitoral. E um dos temas dessa reforma é a “paridade de género”, isto é, que “seja reconhecido às mulheres a possibilidade de ser candidatas em posição elegível”. No entanto, aquilo a que chamam “quota rosa” tem sido motivo de discrepâncias e ainda não se entenderam.

Vejamos então o que escreve Umberto Veronesi.

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“EIS POR QUE O FUTURO É MULHER”

“Como médico das mulheres e como defensor da ciência no feminino, na Europa, creio que seria mais correcto, no futuro, discutir de “quotas azuis”.

"Hoje, a fim de tomar posição no debate sobre a paridade de género na lei eleitoral, bastaria de facto inspirar-se no equilíbrio biológico do Planeta: a humanidade é formada por uma metade de mulheres e a outra metade por homens. Assim, a «superioridade» do masculino é uma construção esquisitamente cultural, nata das condições de vida de há alguns séculos. Ou, talvez, uma «distorção», tornada necessária em sociedades nas quais a violência e a agressividade, tendências ligadas ao perfil hormonal masculino, tinham uma função importante, porque garantiam a provisão de alimentos – através da caça e a conquista de territórios – e a protecção da prole em comunidades dedicadas, principalmente, à guerra".

"Nas sociedades modernas, todavia, o quadro inverteu-se: a violência é uma desvantagem, visto que tem muito mais valor a capacidade de recompor os conflitos através do diálogo, a compreensão e a intuição, que são prerrogativas tipicamente femininas. Por esta razão, penso que às mulheres deveria ser reconhecido um papel, não somente paritário, mas absolutamente superior ao do homem, porque estão mais adaptadas ao mundo de hoje. Daqui a minha provocação sobre as «quotas azuis».

"Reflecti muito sobre os pontos de força femininos e desses recolhi dez que publiquei no último capítulo do livro «Do Amor e da Dor das Mulheres» (Einaudi, 2010)."

"O primeiro ponto é de ordem biológico: com a procriação, as mulheres têm nas suas mãos a sobrevivência da espécie humana. Não esquecendo que nos primeiros meses de vida, as crianças estão expostas, antes de tudo, à influência materna, logo, o mundo da infância, que nos determina como adultos, é um mundo feminino.

O segundo é a capacidade de unir o desempenho procriador e materno com o social e o trabalho: uma das conquistas sociais mais recentes que ainda não expressou todo o seu potencial revolucionário.

O terceiro é a resistência à dor e à fadiga. Poderei testemunhar, com milhares de histórias, como as mulheres possam ter uma capacidade extraordinária para enfrentar a doença, a dor psicológica e física.

O quarto ponto precedente é a motivação. Assim como por um motivo superior (o amor pelos filhos e pela vida em si) uma mulher suporta e supera tragédias profundíssimas, igualmente pela dedicação a uma causa ou uma ideia, a mulher é uma trabalhadora incansável, inteligente, tenaz.

Ao quarto ponto está ligado o quinto, que é o sentido de justiça. Já nos nossos dias, metade dos magistrados é mulher e maior parte delas distingue-se por integridade e firmeza de juízo.

O sexto ponto é a tendência para a harmonia, a qual está em linha com o sentido feminino pela organização e a ordem, muito importante nas actividades de gestão.

O sétimo é a maior sensibilidade, principalmente em sentido artístico e cultural. Com frequência digo que no cinema, no teatro, nos concertos, nas mostras encontramos, sobretudo, mulheres, enquanto os homens enchem os estádios.

O oitavo é a capacidade de raciocínio e concentração. Contrariamente ao que se tem dito durante séculos, a mulher é mais apta para as actividades científicas e de investigação. No Campus de investigação biomolecular do «Instituto Europeu de Oncologia», metade das pessoas é mulher e a produtividade é extraordinária.

O ponto número nove é aquele em que as mulheres decidem melhor e mais rapidamente em situações críticas. Cito uma vez mais o meu campo: quando alguém adoece na família, é a mulher que toma conta da situação.

O décimo, ao qual já acenei, é que a mulher tem uma tendência natural para as soluções diplomáticas e o fim das guerras é a condição imprescindível para o progresso cívico."

É óbvio que os pontos de força são muito mais de dez e basta que olhemos à nossa volta: as nossas companheiras, filhas, mães e colegas para nos apercebermos que, quotas à parte, o futuro é mulher.”  - Umberto Veronesi, La Stampa – 09/03/2014

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Ora tomem lá e reflictam, senhores prepotentes, autoritários e trogloditas.
Sorriam os cavalheiros (há muitos, felizmente) que sempre dignificaram e respeitaram “a outra parte do céu”, as mulheres