segunda-feira, abril 28, 2014

ESTADO SOCIAL: CAUSA PRIMÁRIA
DOS DESARRANJOS ORÇAMENTAIS?

Atentando bem no que se diz e escreve nestes tempos de crise, parece que isto a que se chama Estado social quase deva soar como uma blasfémia. Como se atrevem estes partidos da direita e da esquerda, designadamente estes últimos, a insistir num assunto que mais não é que tema propagandístico?

Esta esquerda, que promete abundância, está condenada na exacta medida em que o velho Ocidente, prisioneiro dos seus mitos igualitários, mas economicamente decadente, se revela absolutamente incapaz de satisfazer as aspirações apregoadas na bandeira socialista”. – M. Fátima Bonifácio; Público, 18 / 04 / 2014.

E mais escreve a ilustre Historiadora: “O futuro do Estado social reside na sua «morte e transfiguração». Genericamente, as decrépitas economias europeias tornaram-se incapazes de gerar excedentes que permitam sustentar, nos moldes actualmente vigentes, a escola pública, a Saúde pública, a Segurança social e as diversas e dispendiosíssimas prestações sociais destinadas a garantir a “coesão social””.
(…) Na impossibilidade de proceder a uma efectiva reforma do Estado – despedindo 100 ou 150.000 pessoas – resta a solução de diminuir os gastos que ele acarreta, quer privatizando parcial ou totalmente algumas das suas clássicas funções sociais, quer poupando em ordenados. (…)” - O sublinhado é meu.

Desconhecia que o “velho Ocidente” fosse vítima dos seus mitos igualitários. Sempre pensei que neste velho Ocidente predominasse a democracia, nos moldes e causas que a determinam, onde a igualdade dos seus cidadãos fosse um dos princípios irrenunciáveis. Apresentar este princípio como um “mito igualitário”, sinceramente, desconcerta.

Ninguém ignora que igualdade de oportunidades nem sempre significa igualdade de sucesso e bem-estar: uns partem com vantagens que outros não têm; há circunstâncias adversas ou favoráveis; inteligências e capacidades de iniciativa variam de indivíduo a indivíduo. Economicamente, portanto, as desigualdades são inegáveis e inevitáveis. E aqui intervém o Estado social.

A este ponto, dir-se-ia que a definição de Estado – Estado democrático, obviamente – é menosprezável. Recordemo-la, então, na sua melhor síntese:
O Estado é a organização de um grupo social estavelmente instalado num determinado território mediante um ordenamento jurídico, servido por um corpo de funcionários e definido e garantido por um poder jurídico, autónomo e centralizado, que tende a realizar o bem comum”.  

Quando um Estado tende a realizar o bem comum, melhor dizendo, quando se concretiza nas suas instituições para administrar a coisa pública e realizar o bem comum, que outro nome dar-lhe senão Estado social?

Se não cuida da escola pública, se não se ocupa da Saúde pública e da Segurança social, qual é, então, o papel verdadeiramente humano de um Estado? Por que não defendê-lo?

Concordo com o facto de termos de aguentar sacrifícios, por muito árduos que se apresentem, até equilibrarmos as nossas contas públicas. Só lamento que não haja um diálogo honesto e inequívoco, numa linguagem clara e acessível, entre as forças governativas e o cidadão português.
Que a transparência, e insisto neste conceito, constitua a base desse diálogo e que de todas as medidas – duras ou que toquem mesmo a insuportabilidade - se dê uma justificação que todos nós entendamos. E sendo assim, certamente que as aceitaremos.

De discursos vazios, obscuros e arrogantes estamos saturados. Deu-se um mandato a este Governo, exigimos lealdade e absoluto respeito e empenhamento pelo bem geral do país.

Paralelamente, sugestões como as que a Dra. Fátima Bonifácio alvitra, não hesito em classificá-las como indecentes, isto é: “privatizando, total ou parcialmente, algumas das clássicas funções sociais do Estado”. Mas quais funções? A escola pública em primeiro lugar, não é verdade?

Esta tendência actual de denegrir ou desclassificar a escola pública é simplesmente repugnante num Estado democrático e de gente séria.
Todos sabemos que a educação, em todos os seus aspectos e graus, é fulcral para o progresso de um país. Logo, é a escola pública - uma boa escola pública, acima de tudo - que deve merecer a máxima atenção e garantia, pois o direito de aprender é inalienável e sacrossanto para qualquer cidadão.
Honra e mérito às escolas privadas, indubitavelmente, mas é para uma escola pública eficiente e digna que servem os nossos impostos.

Equilíbrio orçamental, eis as medidas padrão: agravamento dos impostos, privatizações, cortes e mais cortes nos salários e pensões. Parece que só conhecem estes caminhos. Não haverá outros? 

Alguém ouviu falar no combate aos desperdícios e abusos, dentro das funções sociais do Estado?

Alguém ouviu falar de um acurado controlo na aquisição de bens e serviços, em aumento constante na despesa pública?

Alguém ouviu falar na transparência dos ajustes directos, sempre em relação à aquisição desses bens e serviços?

Alguém ouviu falar na moderação e indicação de um tecto para os elevados salários dos dirigentes da função pública ou das empresas públicas, exactamente como fizeram na Itália, onde tais dirigentes não podem ganhar mais que o Presidente da República?

Alguém ouviu falar… quantas e quantas outras iniciativas que ajudariam a diminuir o défice! Mas fiquemo-nos por aqui