segunda-feira, maio 19, 2014

“PLURALISMO E RELIGIÃO: 
OS INTELECTUAIS ISLÂMICOS
QUE RECOLHEM O DESAFIO”

Este é o título de um artigo de Monica Ricci Sargentini, publicado hoje no Corriere Della Sera. Achei-o interessante e muito pertinente, sobretudo quando pensamos em actos  de terroristas que se servem da própria religião para justificar autênticas barbáries. Procuro traduzi-lo.

Enquanto o mundo se indigna pelas estudantes nigerianas, raptadas por Boko Haram, e pela condenação de uma sudanesa cristã por apostasia, em Istambul, filósofos, historiadores, juristas e activistas dos direitos humanos apresentam-nos um Islão diverso, capaz de conviver com a democracia, o pluralismo e de praticar a paridade de género.

As condenações à morte por blasfémia ou apostasia, as perseguições dos cristãos, a limitação da liberdade das mulheres são aplicações de uma verdade, conteúdo do Corão, ou uma sua distorção?
Ouvindo os professores e expertos do Islão, reunidos na Bilgi University para os “Istanbul Seminars”, organizados pela Reset, existe uma via diferente da que é seguida pelo fundamentalismo e que, com o perdurar do tempo, poderia tornar-se predominante.

«O Corão deve ser contextualizado na nossa época» - diz o indonésio Syafiq Haysim, perito em questões do género dentro do Islão e co-fundador da Rahima Foundation - «Tomemos como exemplo a poligamia. Nos tempos de Maomé era muito praticada, portanto o Corão procurou limitar-lhe o uso. Isto significa que, nos dias de hoje, deveria ser abolida, se considerarmos e evolução dos tempos. É absurdo dizer que, se não aceitas a poligamia, vais contra Allah.»

O problema é que o Islão é uma religião sem um centro, falta uma autoridade jerárquica e, portanto, cada um aplica a sharia em modo diverso.
«O pluralismo – defende Haysim – é absolutamente compatível com a nossa religião. Em Medina, Maomé escreveu uma Constituição na qual todos os grupos estão presentes na estrutura política: muçulmanos, judeus, cristãos e pagãos. Na Indonésia, por exemplo, temos mais igrejas que mesquitas. Certamente que houve episódios de falta de respeito pelas minorias também na Indonésia, mas estamos a superá-los".

Compromisso é a palavra-chave para o israelita Avishai Margalit, professor de filosofia em Princeton e autor de "A Decent Society": «Devemos sempre pensar que a consequência do pluralismo é a capacidade de chegar ao compromisso, de encontrar um consenso de maneira que evite o conflito. Eu sou optimista. Estou convencido que esta sociedade deverá ceder ao pluralismo através da pluralidade. Caminhamos para mundos sempre mais variegados, nos quais não existe uma única verdade, uma única religião, uma única cultura.
Mais as sociedades muçulmanas se tornarão plurais maior será uma pressão para o pluralismo. Penso que serão necessários dez ou quinze anos».

Margalit dá o exemplo da Constituição tunisina, aprovada em Janeiro passado depois de infinitas discussões e limaduras e considerada um exemplo de modernidade, sem precedentes, nos países árabes.
«Houve choques sobre a paridade de género. No início falava-se de complementaridade com o homem o que, claramente, era a negação da igualdade. Em seguida, esta passagem foi cortada, mas ficou o cavalo de Tróia da defesa da moralidade. No artigo 49 diz-se que a lei limita as liberdades garantidas pela Constituição, a fim de proteger os direitos de outrem, a segurança pública, a defesa nacional, a saúde pública ou a moral pública. É claro que este passo presta-se às mais diversas interpretações».

«A Constituição tunisina atesta a liberdade de credo e de consciência e proíbe o takfir, isto é, o tratar uma pessoa como descrente ou apóstata», assevera Ferida Abidi, advogada, a qual se sente particularmente orgulhosa, pois contribuiu para a redacção da Carta.
Abidi, membro do partido islâmico Ennahda e presidente da Comissão dos direitos e das liberdades, não quer ouvir falar dos casos de grande retumbância no mundo, como o das estudantes raptadas na Nigéria. Nos seus olhos emoldurados pelo véu, desponta uma clara desconfiança por quem traz como exemplo o que em muitas partes do mundo desencadeia a islamofobia.
Diz então: «As liberdades, a igualdade, a fraternidade são os objectivos do Islão, assim como a democracia, a qual é o equivalente da nossa Shura e é baseada no diálogo. O Islão sempre deu grande espaço à mulher que é igual ao homem. O meu partido condenou o rapto das jovens na Nigéria, pois é contrário aos princípios do Islão».”

“Insiste Syafiq Haysim: «Certamente que Maomé não odiava os livros, pelo contrário dizia de os ler».
Do centro de reflexão dos Seminários de Istambul, aquela ponte ideal sobre o Bósforo que une culturas diversas parece mais real do que nunca  -  
Mónica Ricci Sargentini - Corriere Della Sera  - 19 / 05 / 2014