segunda-feira, maio 05, 2014

SÉCULO XXI: BASTOU UMA DÉCADA
PARA O RETROCESSO AO SÉC. XIX

No dia três de Maio, no jornal italiano Corriere Della Sera – jornal mais na área do conservadorismo que esquerdista - líamos o seguinte:
Os 10 homens mais ricos de Itália dispõem de um capital cerca de 75 mil milhões de euros, igual ao conjunto de quase 500 mil famílias operárias. Releva-o uma análise do CENSIS (instituto italiano de investigação socioeconómica).
Pouco menos de 2 mil italianos riquíssimos, membros do clube mundial dos ultra-ricos, dispõem de um património global superior a 169 mil milhões de euros (sem contar o valor dos bens imóveis).
As distâncias na riqueza cresceram no tempo e hoje, em plena crise, o património de um dirigente é igual a 5,6 vezes o de um operário – três vezes mais do que há vinte anos… - seguem-se as diferenças de várias categorias em relação a um operário


No jornal La Repubblica, sempre no mesmo dias e sobre o mesmo assunto, mas citando a OCDE:
O 1% dos italianos encaixa quase 10% dos rendimentos totais.
Aumenta a concentração da riqueza: segundo a OCDE, nos últimos trinta anos, quem encaixa os cheques mais pesados conseguiu interceptar uma fatia desproporcionada de incremento dos salários. Nos Estados Unidos regista-se a concentração maior. (…)
Nos últimos trinta anos os rendimentos concentraram-se cada vez mais nas mãos de poucos.

Esta análise do CENSIS e o relatório da OCDE já não constituem novidade para ninguém. Os mais diversos comentadores e analistas, idóneos e menos idóneos, não se têm cansado de apontar o desnível que se instalou entre os rendimentos das elites dirigentes e o resto da sociedade.

O que mais enoja em tudo isto é a desfaçatez como justificam os altíssimos salários de um qualquer top manager.
Poder-se-á perguntar: porque possuem maior nível académico? Não faltam pessoas inteligentes que atingem normalmente esse nível e que, portanto, estariam aptos para desenvolver eficientemente a mesma actividade.
Porque são tecnicamente mais capazes? Não consta que devam ser génios reconhecidos os dirigentes de bancos, grandes empresas, multinacionais e quejandos. São seres normais com capacidades apreciáveis (quando as possuem!), mas não avis rara.

Após a Segunda Guerra Mundial construiu-se uma sociedade mais justa e um grande progresso económico, mas durou poucas décadas.

E durou poucas décadas, porque piorou a qualidade da política; logo, piorou tudo. Se reflectirmos sobre a perduração da crise, sobretudo na Europa, e sobre as numerosas análises que nos informam, é inevitável chegarmos a essa conclusão. Tudo parte da política, esta “arte ou ciência” de organizar a administração jurídica, social e económica da coisa pública: precisamente, com arte e ciência.
Ora, nesta crise, onde podemos encontrar a arte, ciência, engenho e coragem na política que nos governa, quer europeia, quer nacional? Certamente que, para isso, deveria haver grandes e respeitáveis políticos, mas onde estão? É um deserto!
A política reduziu-se a joguinhos de poder e de blandícias para os potenciais eleitores; não sobra lugar para decisões sérias e corajosas.

Consequentemente, eis por que não foi capaz de prever e avaliar certos aspectos negativos da globalização.
Não foi capaz de regulamentar o nascimento de um capitalismo sem alma. 
Não foi capaz, e permanece nessa incapacidade (ou táctica de conivências), de impor regras à voracidade do capitalismo financeiro.
Não foi capaz de criar leis que estabelecessem uma menor desigualdade de rendimentos, não omitindo a justeza do mérito, obviamente.
Finalmente, não é capaz de se regenerar e de saber reconstruir o sistema de partidos que apodreceu e se tornou intolerável. Transfigurou-se em ninhos de oportunistas, carreiristas, facções em vez de homogeneidade ideológica, incompetência, agentes encapotados dos poderes fortes. As consequências estão à vista.

O profundo sentido de democracia caiu em sonolência; esperemos que não se transforme em coma. Esperemos também que não surja uma Europa de totalitarismos camuflados. Parece-me que o vocábulo democracia começa a ser o passe introdutor de ideias e procedimentos que nada tem que ver com o seu valor intrínseco e real.

Os denunciadores do crescimento de populismos perigosos para a democracia não inventam nem exageram. Estes populismos são reais e confesso que me assustam. Como exemplo adequado, vejo o “Movimento 5 Estrelas” de Beppe Grillo. Nota-se neste indivíduo tiques acentuadamente fascistas – e sem banalização da palavra - que não prenunciam o que quer que seja de construtivo.
Dado o alto seguimento dos que o vêem como castigador dos execrados partidos, estes seguidores em boa-fé não se apercebem que dão aval a uma pura e simples propaganda demolidora; nada mais.