segunda-feira, janeiro 26, 2015

DIA INTERNACIONAL DA MEMÓRIA.
PRIMO LEVI, O ESCRITOR QUE MELHOR A TRANSMITIU

Em Novembro de 2005, a Assembleia Geral das Nações Unidas estabeleceu que o dia 27 de Janeiro seria o dia de comemoração do Holocausto.
Escolheu-se esta data, precisamente porque foi em 27 de Janeiro de 1945 que o exército soviético libertou o campo de concentração de Auschwitz, o maior campo de extermínio nazi.

A Primo Levi, sobrevivente de Auschwitz e um dos escritores mais representativos do séc. XX, devemos uma descrição objectiva dessa Memória, onde procurou evitar o que seria um normal sentimento de vítimização ou moralismo, mas uma compreensão, com denodada clareza (“strenua chiarezza”, uma sua expressão), para contar “os mecanismos da máquina do extermínio”, todos os matizes do mundo atroz para onde foi deportado em 1944. “Peço aos meus leitores para não procurar mensagens nos meus livros. Vivi uma experiência extraordinária e, desde então, procuro vórtices naquilo que vejo”.

O poeta e pintor italiano, Arturo Benvenuti, empregando alguns anos, conseguiu reunir 250 desenhos realizados pelos prisioneiros dos campos de concentração nazis. Esta documentação é agora publicada num livro com o nome “K.Z.”, à distância de setenta anos da libertação de Auschwitz. É fácil intuir que se trata de imagens intensamente emocionantes. 

Em 1981, Primo Levi escreveu o prefácio dessa obra ainda em preparação.
À medida que o decorrer dos anos nos afasta e embora as décadas que se seguiram não nos tenham poupado violências e horrores, a história dos campos de extermínio hitlerianos delineia-se cada vez mais como um unicum, um episódio exemplar do malefício. O homem, tu, homem, foste capaz de fazer isto. A civilização de que te vanglorias é um verniz, um vestuário. Aparece um falso profeta, arranca-to e tu, nu, és um monstro, o mais cruel dos animais. (…) As imagens aqui reproduzidas não são um equivalente ou um decalque, pois elas substituem as palavras com vantagem: dizem o que as palavras não sabem dizer”. (…)

A cidade de Turim presta uma grande homenagem a Primo Levi, “um dos seus filhos melhores”, organizando uma mostra que “percorre todas as estradas do escritor, todos os mundos de Primo Levi”.
Esta mostra, por ocasião dos setenta anos da libertação de Auschwitz, é intitulada “Una Strenua Chiarezza”. Está instalada no Palácio Madama (centro da cidade).
Foi promovida pelo “Centro Internacional de Estudos Primo Levi” e permanecerá aberta de 22 de Janeiro a 06 de Abril.
Uma esplêndida ocasião para visitar Turim, além dos normais atractivos, obviamente.

Uma jornalista do Jornal La Stampa, Mónica Perosino, no dia 23/01/2015 publicou uma carta inédita de Primo Levi.
Quando Mónica Perosino tinha 11 anos, em 1983, leu o famoso livro de Primo Levi: “Se Isto é um Homem”. Suscitou-lhe muitas perguntas a que não sabia dar respostas. Resolveu escrever ao escritor. Procurou o endereço e a carta partiu: por que razão ninguém fez nada para acabar com o extermínio? Os alemães eram maus? A criança de então queria saber se o mal existia.

A resposta chegou; muito interessante. Traduzo o que lhe escreveu Primo Levi

25/04/1983
Querida Mónica.
A pergunta que me colocas, sobre a crueldade dos alemães, deu água pela barba a muitos históricos. Na minha opinião, seria absurdo acusar todos os alemães daquela época; e é ainda mais absurdo envolver os alemães de hoje nessa acusação. É certo, porém, que uma grande maioria do povo alemão aceitou Hitler, votou nele, aprovou-o e aplaudiu-o enquanto obteve sucessos políticos e militares. Contudo, muitos alemães, directa ou indirectamente, também tinham devido saber o que acontecia, não só nos campos de extermínio, mas também em todos os territórios ocupados, especialmente na Europa Oriental.
Portanto, em vez de crueldade, acusaria os alemães daquele tempo de egoísmo, de indiferença e, sobretudo, de ignorância voluntária, porque quem queria realmente conhecer a verdade podia conhecê-la, e dá-la a conhecer; aliás, sem correr riscos excessivos.
A coisa pior, vista num campo de extermínio, creio que seja mesmo a selecção que descrevi no livro que conheces.
Agradeço-te por me teres escrito e pelo convite de ir à tua escola, mas neste período estou muito ocupado e ser-me-ia impossível aceitar.
Saúdo-te com afecto.
Primo Levi