segunda-feira, setembro 28, 2015

“CONDENADO À CRUCIFICAÇÃO
PELO REINO DO PETRÓLEO”

A notícia correu mundo e esta brutalidade, habitual na Arábia Saudita, de condenar à morte um jovem de 17 anos (hoje com 20) por decapitação e, como complemento do terrível espectáculo, crucificado e exposto ao público indignou e horrorizou o mundo civilizado. Ademais, AlÌ Nimr foi condenado por uma causa insignificante, absurda. No entanto, essa causa foi agigantada e alargada, confissão extorquida mercê de tortura, a fim de que a sentença capital servisse de aviso e exemplo à população saudita.
Internacionalmente, levantaram-se protestos e pedidos de anulação desse barbarismo. Com algum resultado? Nenhum, até hoje. 

A cidade de Turim decidiu que a Arábia Saudita já não será o Convidado de honra (país “hospite di onore”) no próximo Salão do Livro em 2016: “É evidente que uma condenação à morte negaria, logo à raiz, aquelas razões de diálogo que estavam na base do convite à Arábia Saudita como “convidado de honra” da edição 2016 do Salão do Livro” – declaração do Presidente da Câmara de Turim.
É já um bom exemplo de ir além das palavras. Talvez este género de ostracismo – repelir a Arábia Saudita como país indigno do convívio internacional – surta efeito, por mínimo que seja.
  
 Mas sobre este triste caso, vejamos a opinião do prestigiado escritor, poeta e ensaísta marroquino, Tahar Ben Jelloun: vive em Paris e escreve sempre em francês. É um artigo que  merece ser lido com atenção e interesse.
Traduzo da versão italiana

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“O mundo salve Alì, condenado à crucificação pelo reino do petróleo”

De Tahar Ben Jelloun

“O acaso faz as coisas muito bem: há alguns dias, antes que Alì Mohammed al Nimr, 20 anos, sobrinho de um opositor xiita do regime da Arábia Saudita, fosse condenado à decapitação e, em seguida, crucificado e exposto até que se complete a putrefacção do cadáver, Faisal Bin Hassan Trad, embaixador saudita, foi eleito, em Genebra, presidente do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. Da parte desta instituição, cada vez mais ineficaz, é uma forma de humorismo negro um pouco especial: um humorismo cor petróleo.

A Arábia Saudita, desde sempre governada pela mesma família, emite sentenças de morte a cada instante. É o país que detém o recorde mundial de execuções capitais. Segundo os media e as associações para os direitos humanos, este ano houve 133 execuções.

O crime deste rapaz (quando foi detido tinha 17 anos) é o de ter participado numa manifestação contra o regime. A sentença supera os limites da compreensão. É um assassínio.
Aquele rapaz não matou, não violou nem roubou. Simplesmente, participou de uma manifestação no curso da “Primavera árabe”. Se será executado, as Nações Unidas deveriam perseguir a Arábia Saudita. Mas não o farão.

Que fazer, então, nestes casos? Deixar correr, ficar calados, manter um perfil baixo para não perder algum contrato? Permanecer atrás da própria velhacaria e desviar os olhos? Mas é inadmissível.
Para julgar os governantes que cometeram crimes contra a humanidade existe ao Tribunal Penal Internacional: por que razão não são denunciados os que administram a justiça naquele país?

A condição feminina está já entre as mais escandalosas do mundo civilizado.
O facto de exprimir uma opinião, de ousar opor-se a um sistema arcaico, embora perfeitamente actualizado sob o ponto de vista técnico, é punido com a morte. Mas, no caso do jovem Alì, a punição já começou: primeiro, será decapitado; depois crucificado e, por fim, abandonado às aves de rapina e à putrefacção. Imaginemos o estado de ânimo deste homem na antecâmara da morte! É já meio morto: morto de medo, morto de calvário antecipado. Tornou-se símbolo da vítima cuja vida foi confiscada por um regime no qual os direitos humanos entram na esfera do virtual.

Mesmo que aquele Estado escutasse os protestos internacionais e anulasse a condenação, permanecerá o problema da existência de um sistema medieval que não se pode criticar no interior nem exautorar do exterior. Porque é potente, muito potente. A riqueza procura-lhe os milhares de milhões suficientes para comprar o que quer que seja, desde os bens materiais às consciências.

Nenhum país tem vontade de contrastar a Arábia Saudita. Sim, há o Irão, mas este apenas desejaria suplantá-la para tornar-se no guardião dos lugares sacros; dos direitos humanos não lhe importa absolutamente nada.
Todos os países ocidentais têm projectos de contratos com a Arábia e não querem sacrificá-los pela vida de um rapaz.
É certo que vários chefes de Estado pediram o anulamento da execução de Alì, mas não desejam ir além desta iniciativa. É nisso que reside a potência da Arábia Saudita. Faz o que quer e não aceita observações de ninguém.

Estranhamente, esta sentença recorda a condenação e execução do grande poeta do décimo século, Al Hallaj. Condenado à morte por ter dito, falando do seu amor por Deus, “Ana Al Haq” (eu sou a Verdade), o seu corpo foi castrado e crucificado. Apodreceu ao sol.
Al Allaj era impaciente de atingir Deus, porque a sua paixão pela divindade tinha-o levado a renunciar aos bens e aos prazeres materiais da vida.
Todavia, se as autoridades sauditas decidiram crucificar o jovem Alì, não é em homenagem ao poeta sufi, mas simplesmente por crueldade e arrogância. A sua potência é negra como o ouro que a cobre e que a torna tão desumana.”
Tahar Ben Jelloun; La Repubblica – 25 Setembro 2015