segunda-feira, setembro 07, 2015

"FOTOGRAFAR PARA TESTEMUNHAR"

Aylan, a foto do menino sírio que comoveu o mundo 

A fotojornalista turca, Nilufer Demir, quando viu aquela criancinha deitado na areia, compreendeu imediatamente que estava morta e já nada mais se poderia fazer. Decidiu fotografá-la, reflectindo: “Fotografar para testemunhar. È o único modo para fazer ouvir o grito daquele corpo”.

A fotojornalista teve uma apreciável intuição. Efectivamente, o grito foi enorme e ecoou por toda a Europa e resto do mundo. Aturdiu consciências até agora ensonadas. Abalou indiferenças instaladas em piedades hipócritas. Abriu os corações a uma atenção verdadeiramente solidária e humana sobre a imane tragédia que, de há anos, ensanguenta o Médio Oriente, sobretudo na Síria. A Alemanha e Áustria, nestes últimos dias, têm demonstrado esses corações abertos. Oxalá que os actos de grande solidariedade da sociedade civil daqueles dois países não sejam apenas o fruto das emoções, mas decisões concretas e duradouras.  

Muitas jornais e outras publicações lutaram contra os escrúpulos de publicar estas imagens de morte, ademais, tendo como objectivo, tremendamente chocante, uma criança de tenra idade. Vi uma série dessas imagens. Escolhi uma, a mais demolidora de quaisquer sentimentos banais.

Observei-a, procurei varrer do pensamento todas as sensações de tragédia que se impunham e substituí-as pela poesia inspirada na ternura que advinha da imagem de um menino - assim me forcei a imaginar - cansado de brincar na praia, adormecera. Não se apercebia da proximidade da água. Surgiu um agente da guarda costeira turca – como se vê numa das fotografias – tomou o pequenino Aylan nos seus braços, ainda adormecido, e livrou-o do perigo.

Infelizmente essa poesia apagou-se em poucos segundos. À tragédia de Aylan seguia-se a do seu irmãozinho de cinco anos, Galip, e de sua mãe, Rihan, de 35.
O sólito drama de pequenos barcos superlotados que não resistem às ondas mais violentas. Os ocupantes levantam-se desordenadamente, o barco vira-se e o mar engole os mais frágeis para, depois, os depositar na areia.

Abdullah Kurdi, pai de Aylan e Gali e único sobrevivente da família, nos seus desabafos e explicações angustiadas, não se cansava de repetir: “Os meus filhinhos escorregaram-me das mãos. Estava muito escuro e todos gritavam. Por este motivo, a minha mulher e os meus filhos não ouviram a minha voz. A nado, procurei atingir a costa com a esperança de encontrar a minha família com vida...”
Chegara à praia, mas encontraram-no prostrado na areia, quase inconsciente, e conduziram-no ao hospital.
O sonho de percorrer os poucos quilómetros que separam o ponto de partida, a praia turca Bodrum, da ilha grega de Cós (destino que tanto desejava alcançar), esvaíra-se da maneira mais pungente.

Quotidianamente, assistimos a tragédias contínuas: similares ou ainda piores, quer no mar Mediterrâneo, quer na via balcânica. Até quando?

Se a Europa, EUA, Rússia e Estados árabes de boa vontade metessem de parte ambiguidades políticas, conquista de zonas de influência e outros desígnios que nada têm que ver com o lado humano, em conjunto e com honesta determinação, já teriam varrido falsos califados de patológicos adoradores da sanguinolência e da destruição. Já teriam posto em prática verdadeiros apoios económicos e éticos àqueles povos, vítimas daqueles bárbaros e que, desesperadamente, procuram a salvação na nossa Europa. Até quando?