segunda-feira, dezembro 28, 2015

PORTUGAL, PAÍS PEQUENO

Frequentemente, deparamos com esta caracterização do nosso país, quase infalível quando este é notícia ou tema de crónica jornalística. Aliás, o aposto clássico é: “pobre e pequeno”.
Sem reacções patrioteiras (a intoxicação salazarista gerou a procura do equilíbrio), o afecto que nos liga ao lugar onde nascemos manifesta-se sob forma de uma certa irritação. Pergunta-se por que nunca se aponta a Dinamarca ou Holanda como país pequeno, por exemplo. Mas este “pequeno”, aqui, serve para reforçar o adjectivo”pobre”. Eu entendo, porém, que somos pobres e pequenos na nossa auto-estima; mas também pobres e pequenos na pequenez e pobreza de ideias dos responsáveis da política portuguesa.    

Deixemos estas considerações e entremos na reacção contrária: a satisfação quando lemos o género de texto que decidi traduzir e transcrever neste blogue. Os sublinhados são do autor da peça.
A palavra "startup" não a traduzi. É termo técnico que todos conhecem. Digamos que nos referimos a "empresas recém-nascidas". 

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“Por que razão Lisboa se tornou na nova Meca das startup”

“Quando Paddy Cosgrave, o fundador do Web Summit, anunciou a decisão de transferir o evento para Lisboa, a atenção dos media de todo o mundo virou-se imediatamente para a capital lusitana: um interesse tão imprevisível quanto merecido.
É desde alguns anos que na cidade, mas mais em Portugal em geral, se criou um ambiente favorável aos investimentos e ao empreendimento inovativo.”

“Tanto assim que, embora o PIB seja nove vezes menor do que o italiano, as startup portuguesas mais importantes - dizem-no os relatórios recentes da Startup Europe Partnership - recolheram capitais apenas duas vezes e meia inferiores. Este desabrochar imprevisto é, em parte, filho da grande crise económica e consequência da austeridade."

Postos defronte à alternativa de criar uma empresa própria ou o desemprego, os portugueses, como aconteceu noutros países, decidiram lançar-se na aventura empresarial. O governo deu uma mão com uma série de medidas para facilitar as novas empresas e a quem chega do estrangeiro. Quem quiser abrir uma sociedade, por exemplo, pode fazer referimento ao programa “Empresa na Hora”.

"Como a expressão poderia levar a engano, não significa criar uma sociedade numa hora, mas quase: a ideia é que, uma vez assumidas algumas normas burocráticas, na maior parte online, é suficiente uma única visita ao departamento competente; num só dia, portanto, o assunto fica despachado.
O custo é modesto: 360 euros pelas práticas; obviamente, além do capital social que se deve versar.
O aligeiramento burocrático, aliás como bem sabem também os nossos funcionários, é só um aspecto do problema. Para fazer crescer um ecossistema, outro elemento fundamental, é o de estar em condições para atrair talentos do estrangeiro.
O ambiente internacional e cosmopolita de Lisboa, certamente que ajuda: alta qualidade de vida; custo de habitação e alimentação muito inferior a Londres ou Berlim; abundância de pessoas que falam inglês, habituadas a dialogar com os estrangeiros. Tudo isto são factores que pesam, em positivo."

"Mas há mais. No fim de 2009, Portugal introduziu um regime de impostos favoráveis para “não residentes habituais”. Em síntese: desde que sejam cumpridas algumas pré-condições, como o ter vivido em Portugal por mais de 183 dias num ano, ou possuir ali uma casa, tem-se o direito, durante 10 anos, a uma alíquota de favor, independentemente do que se ganha, de 20%; isto em vez do normal imposto progressivo sobre o rendimento, o qual pode chegar até 42%.
Um excelente motivo para atrair investidores abastados que entendam abrir uma filial ou uma verdadeira sede nas margens do Tejo.
Até hoje, os fundos para as startup portuguesas chegaram, sobretudo, de venture capital e private equity local, como Caixa Capital, Faber Ventures e Portugal Ventures, mas as coisas estão a mudar.
Em Novembro passado, por exemplo, a startup Uniplaces, plataforma que ajuda os estudantes universitários a encontrar alojamento no estrangeiro, recolheu 24 milhões de dólares da Atomico e outros fundos europeus muito importantes."

"Uma outra startup, UNABEL, que mira a revolucionar o processo de tradução, usando um misto de inteligência artificial e contributo humano, recolheu dinheiro de, entre outros, Google Venture e YCombinator.

Entre as outras startup que merecem referência, recordamos Codacy, Talksdesk, Veniam, Seedrs, Farfetch. Esta última é, na verdade, um “unicorno”, isto é, vale mais que mil milhões de dólares, mas hesita-se a considerá-la verdadeiramente portuguesa, dado que, embora o fundador seja originário de Portugal, nasceu e cresceu em Londres."

"É o destino, aliás, de muitas startup lusitanas. Mesmo aquelas que são lançadas na pátria, uma vez atingida uma certa massa crítica, são constrangidas a transferir o sede para outro lugar; talvez mantendo o departamento de investigação e desenvolvimento em Portugal, como fez, por exemplo, Veniam. Não é um drama e não sucede apenas em Portugal."

"Melhor, o pequeno país de Saramago e Pessoa é naturalmente projectado para o externo: para o Brasil e os Estados Unidos, na parte do Atlântico; para o Reino Unido com o qual compartilha o fuso horário e muitas relações comerciais de antiga data, olhando para o Continente europeu. Sob este aspecto, é muito semelhante à Irlanda.
A escolha do Summit de transferir-se para Lisboa, também se explica deste modo.”  
 de Federico Guerrini, La Stampa – 26 / 12 / 2015

segunda-feira, dezembro 21, 2015

EXPRESSÃO SEMPRE OPORTUNA E BEM-ACEITE:
UM BELO E FELICÍSSIMO NATAL

   
Sagrada Família de Michelangelo,Tondo - Doni - Galleria degli Uffizi, Florença

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"A Virgem da Cadeira"   (A Virgem com o Menino e São João)  de Rafael Sanzio - Galeria Palatina - Florença 

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"A Sagrada Família" de Francesco Albani - Palazzo Pitti - Florença


E precisamente porque, nos tempos actuais, leio tantas parvoíces sobre as comemorações desta festa linda, alegre e de grande importância no mundo cristão, somente porque podem chocar outros credos, protelei qualquer outro trecho e, sinceramente, desejo umas Festas de Natal felizes, alegres e serenas. Em italiano, a minha segunda língua que também muito estimo: Tanti auguri di Buon Natale a quem tenha a paciência de ler-me

Existem quadros sobre esta data do ano a que os gigantes da pintura dedicaram, com o pincel, a mais elevada poesia. Francesco Albani,1578-1660, menos conhecido que os dois gigantes, Miguel Ângelo e Rafael, também soube exprimir harmonia e suavidade. 

segunda-feira, dezembro 14, 2015

DITADO QUOTIDIANO
NAS ESCOLAS DO 1.º CICLO

Que diriam os ilustres reformadores dos sistemas de ensino se fosse obrigatório um ditado por dia nas nossas escolas de ensino primário?
Cairia o Carmo e a Trindade ou limitar-se-iam a reacções de desdém, perante uma medida que talvez crêem ultrapassada?

O Ministro da Educação francês, Najat Vallaud-Belkacem, explicando em Setembro passado os novos programas escolares de 2016 (ano lectivo 2015/2016), elucidou que, em todas as escolas elementares de França, “Haverá um ditado quotidiano”. E acrescentou: “Este sistema permitirá garantir uma base sólida para todos os estudantes e isto passa, necessariamente, através de uma aprendizagem quotidiana, entre as quais um ditado. Hoje, a coisa essencial é o domínio da língua”.

Podemos discordar desta concepção sobre o sistema que garantirá uma “base mais sólida” na aprendizagem da língua? Eu não discordo. E atenho-me à minha experiência.
Um ditado que jamais seja apresentado como uma leitura monótona de palavras, mas sim uma apresentação viva de vocábulos que formam sentido e aberto a todas as regras ortofónicas, ortográficas, gramaticais, adequada e diligentemente esclarecidas, penso que seja uma das lições mais completas sobre a língua materna que ensinamos.

O autor desta crónica – Paolo Levi, em La Stampa de 18/09/2015 – escrevendo sobre a “péssima relação” que os franceses têm com a própria língua, citou as palavras de Pascal Hostachy: “Os franceses dominavam 51% das regras gramaticais de base, em 2010; hoje, esta percentagem desceu para 45%. Seis pontos menos em apenas cinco anos”.
Quer no ambiente empresarial, quer no mundo político e outros sectores onde se esperaria maior conhecimento, as ofensas à gramática francesa são frequentes.

Enquanto lia estas e outras informações, ia meditando sobre o estado da língua portuguesa. Se a língua francesa tem, efectivamente, uma gramática complexa em todas as suas divisões, a língua portuguesa não é menos rica.
Qual será, então, a percentagem de portugueses que dominam as regras gramaticais básicas?
Se olharmos para a conjugação dos verbos, é um desastre, e não temo exagerar. O conjuntivo – sobretudo o tempo do presente - ou é visto como um enigma ou é um ilustre desconhecido.

O actual abusadíssimo você/vocês apenas se usava no trato familiar; evitado num registo de língua corrente, jamais no registo cuidado. Hoje, é soberano.
A TV nacional não se cansa de o exibir: “este sinal que deram a vocês”; “nós falámos a vocês deste caso” … Enfim, paremos.
Não somente me soa desagradável como a expressão de um péssimo português.

Quase adquiro a certeza que esta eleita “língua padrão – o falar de Lisboa - divulgando o você, não é porque queira imitar a versão do português brasileiro: simplesmente, tem dificuldade com a segunda pessoa do plural do presente do conjuntivo e o vocês resolve-lhe o problema. Será assim?
Só tenho pena que o jornal Público, óptimo quotidiano que adquiro diariamente, certas vezes incorra neste mau costume. Na minha opinião, este vocês rouba elegância a bons textos.

Decretou-se que o pronome pessoal vós, e os pronomes complemento relativos, não se usam. Não se usam, onde? Quem deu a estes linguistas, ou pseudolinguistas, o direito de empobrecer a língua que é de todos?
Decretar o falar de Lisboa como língua padrão, e nunca me cansarei de o repetir, é uma ofensa para a maioria dos portugueses. Não aceito esse português de Lisboa como exemplo, pois não é o espelho de um português eufónico e correcto. Os linguistas que assim pensam e ditam opiniões, percorram o país e aprendam o que lhes convém ignorar.

Portugal não necessita de língua padrão, porque os falares variam e todos são dignos de respeito. Que as nossas escolas, de norte a sul, ensinem meticulosamente a pronúncia e gramática da língua materna. Que os meios de comunicação, sobretudo audiovisuais, tenham como prioridade o uso correcto, eufónica e gramaticalmente, da língua portuguesa;serão um dos mais eficazes auxiliares, neste sentido.
Actualmente, o que ouvimos, por vezes não brilha por harmonia e correcção.

Se me é permitido, desejaria que houvesse um jornalista português, culto e amante da sua língua, que, à imagem de um outro jornalista francês, Bernard Pivot, criasse um programa na TV dedicado aos bons conhecimentos gramaticais dos nossos políticos, ditando um texto sobre ortofonia e ortografia.
Em casa, estes fariam as suas correcções e, deste modo discreto, poupar-nos-iam certas calinadas.

Seja bem claro que ninguém está isento de incorrecções. A nossa língua novilatina, como bem sabemos, é complexa. O que não sei encontrar, neste sentido, é a compreensão para as figuras públicas, quando os deslizes são de carácter básico.

segunda-feira, dezembro 07, 2015

FESTIVIDADES DE NATAL ABOLIDAS
SERÃO ESTAS INICIATIVAS OPORTUNAS?

Não só oportunas, mas também serão justas? Expliquemos o motivo destas perplexidades.
Como reacção ao atentado parisiense e outros casos de terrorismo islâmico, vários institutos de ensino italianos decidiram anular ou alterar as festividades natalícias.

Um exemplo que bem caracteriza estas originalidades:
 Em Rozzano, município da Cidade Metropolitana de Milão, o director de uma escola primária decidiu anular o tradicional concerto de Natal. Adiou-o para 21 de Janeiro, intitulando-o “Concerto de Inverno”, e substituindo os cânticos de Natal por canções absolutamente laicas.
O tradicionalíssimo cântico “Tu desces das estrelas” (Tu scendi dalle stelle) e outros similares não deveriam ser executados, a fim de não ofender os 20% de alunos que não eram cristãos.

Rebentou o escândalo e as polémicas não se fizeram esperar. Pais e alunos protestaram, várias entidades oficiais manifestaram indignação, a imprensa não foi benévola. Porém, o director escolar mostrou-se irremovível na sua decisão e afirmou: “Um concerto de cânticos religiosos no Natal, depois do que aconteceu em Paris, teria sido uma provocação perigosa”. Mas teve de capitular: demitiu-se.
O mais interessante é que muitos pais de alunos muçulmanos daquela escola também se indignaram contra o director, pois não viam qualquer razão para que as festas de Natal sofressem alterações. Os filhos sempre se sentiram felizes em participar e nada os chocava na própria fé. Aliás, o Islão considera Jesus um seu profeta.

Como inevitável, surgiu o aproveitamento deste facto, na forma mais antipática. Os extremistas da direita, os populistas na sua pior faceta e os xenófobos imediatamente se assenhorearam do acontecido e logo demonstraram o mau gosto e o latente racismo que lhes é próprio. Juntaram-se em frente da escola de Rozzano, ostentando presépios de mistura com slogans de pura xenofobia.

Este é um dos vários casos. Outros surgiram (cerca de uma dezena, pelo que li) idênticos na sua motivação. Pelos vistos, nasceu a moda, neste Natal 2015, arredar tudo o que simbolize uma época de alegria para crentes e não crentes, mas, sobretudo, para as crianças.

Estas atitudes, a que prefiro chamar “originalidades”, não serão uma descabida demonstração de ignorância e um ocultamento do que nos identifica? Devemos “ter medo de dizer quem somos”? Inaceitável.

Em segundo lugar, estes gestos são oportunos e legitimamente aceites, ante a barbárie de terroristas que se proclamam islâmicos e que assolam o mundo ocidental? Não constituirão, para esses fanáticos violentos, motivo de regozijo e ainda maior arrogância na prossecução de outras tragédias?

Os senhores professores ou directores escolares que reflictam bem sobre tais iniciativas e procurem, antes de mais, informar os próprios alunos sobre a fé na qual foram educados e o credo dos colegas que não são católicos.

Aprendamos a conhecermo-nos, e sempre mais convicto será o respeito por credos diferentes cuja história e caminho percorrido deixarão de ser por nós ignorados. Saber, conhecer, reflectir é o modo fundamental para expulsarmos preconceitos e mantermos firmes a consciência da nossa identidade dentro da civilização europeia; só deste modo saberemos interpretar correcta e adequadamente a de outrem.

Termino com as palavras de Rifat Aripen, “originário do Bangladeche e coordenador das associações islâmicas no Lácio, Itália”.
O Natal é mais o símbolo de uma civilização do que de uma religião. Na Itália e na Europa, a civilização cristã tem raízes profundas que devem ser respeitadas; negá-las significa não conhecer a história e fechar os olhos perante a realidade.
O Natal também é símbolo para um agnóstico e os símbolos não prejudicam ninguém.
Um homem é um homem antes de ser muçulmano, cristão ou judeu. Ninguém de mente sã o ignora. E condenar o massacre de Paris é um dever absoluto de todo o ser humano”.  -  La Stampa, 29 / 11 / 2015 – Giacomo Galeazzi.