domingo, janeiro 10, 2016

ESTA NÃO É A EUROPA QUE SONHAVA

Primeiro, o culto integralista do equilíbrio dos Orçamentos de Estado e a consequente hegemonia autoritária de quem entende que pode ditar ordens aos Estados economicamente débeis.
Em seguida, o espectáculo de Estados-membros que atropelam as leis fundamentais de uma democracia real, factor imprescindível dentro da União, e as entidades competentes, que deveriam levantar a voz e agir de consequência, balbuciam – temos, como exemplo, o que se passa na Polónia e Hungria. 
Até quando?

Por fim, toleram-se autênticos e vergonhosos paraísos fiscais dentro desta nossa respeitável União Europeia.
Poderia fazer um resumo do artigo que foi publicado a este respeito e com o qual me senti mais bem informada, mas prefiro dar a palavra ao autor. 
Fica-se boquiaberto ante tanta incorrecção e arrogância! Este artigo, esclarecedor, vale e compensa bem o tempo de leitura.


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“A Holanda predica austeridade,
mas é o maior paraíso fiscal do mundo

“Oitenta das 100 maiores empresas mundiais têm aqui uma sociedade que nada mais é do que uma caixa postal.
Bermudas? Jamaica? Ou, então, as ilhas inglesas da Mancha, Jersey ou Guernsey? Absolutamente não. Mais perto e mais cómodo: basta chegar a Amesterdão.”

A Holanda, o país frequentemente mais duro do que a Alemanha em predicar austeridade e disciplina de orçamento e censurar o laxismo dos países mediterrânicos, é o maior paraíso fiscal do mundo.
Desde o primeiro de Janeiro do corrente ano, assumiu a Presidência de turno da União Europeia. As palavras do seu Governo têm, por este motivo, um peso ainda maior.
Todavia, a próxima vez que o seu ministro das Finanças, Jeroen Dijsselbloem, como sempre faz, repreende Tsipras e o governo grego, porque hesitam a reformar o próprio sistema fiscal, alguém deveria recordar-lhe que a companhia mineraria canadiana, Gold Eldorado, não paga impostos na Grécia, graças á cobertura fiscal holandesa.
Ou então, quando de Haia vinham acusações aos bancos cipriotas por reciclagem de fundos russos, alguém deveria fazer-lhes notar que, nesse mesmo período, na Ucrânia, gabinetes de trabalho holandeses tinham, na Embaixada nacional, seminários apropriados sobre a arte de escapar aos impostos, refugiando-se na Holanda.”

“Aliás, a questão, em linhas gerais, é já nota. A Comissão Europeia acaba de definir ilegais os descontos fiscais que o governo de Haia concedeu a Starbucks. O próprio Parlamento holandês pediu ao governo para empenhar-se, a fim de evitar que o país seja definido um paraíso fiscal. Porém, as dimensões do fenómeno são irrefreáveis. Fazem empalidecer, não somente o Luxemburgo de Juncker, mas também Bermudas e Jersey, os paraísos fiscais por definição.”

“As cifras são agora narradas pelo economista holandês, David Hollanders, no site socialeurope.eu.
Em Amesterdão, como exemplo, os Rolling Stones e os U2 têm “escritórios”, mas, exactamente como eles, cerca de 12 mil sociedades têm caixa postal por um contravalor de 4 mil milhões de euros. Nenhum outro país no mundo tem um valor societário assim tão alto, referido a puros e simples endereços postais. De resto, entre aquelas 12 mil, há o Gotha das finanças globais: oitenta das maiores empresas mundiais e quase metade das 500 companhias da classificação Fortune.”

“Quem se admirou por que razão a Fiat, na sua nova encarnação FCA, pôs o quartel geral em Londres, mas a sede social em Amesterdão, agora fica a saber o porquê.”

“A ideia genial, todavia, diz respeito aos royalties, o mecanismo que cria riqueza, especialmente para os gigantes de Big Tech, os quais encaixam, por este modo, sobre a utilização dos seus software e das suas plataformas.
Mas os royalties, em geral, concernem o pagamento de todos os direitos pela exploração de uma marca ou de um format produtivo ou comercial (os cafés Starbucks, por exemplo).
O ponto-chave é que, na Holanda, os royalties não são tributados. Portanto, as sociedades como Google, na Itália ou na Alemanha, pagam royalties propositadamente exagerados à própria “controladora” holandesa, obtendo, assim, o resultado para baixar os lucros orçamentais e os relativos impostos sobre a facturação realizada na Itália e na Alemanha.”

“Os royalties, depois, quando tornam às caixas da sociedade-madre (citemos a Google na Califórnia), não podem ser colectadas, porque já pagaram, formalmente, os impostos na Holanda, mesmo que a alíquota tenha sido zero.
Cresce a vontade de perguntarmo-nos o que diria Jeroen Dijsselbloem se Tsipras sugerisse de aplicar o mesmo esquema, na reforma fiscal grega.
De Maurizio Ricci; La Repubblica - 09 / 01 / 2016
(Os sublinhados são meus)

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Quantas sedes de empresas portuguesas preferiram ou gostariam de ter morada em Amesterdão?

Nas instâncias competentes da UE, sempre que o nosso país for admoestado por razões deficitárias ou orçamentais, quando teremos a notícia que os nossos representantes, com boas maneiras, requererão limpeza absoluta da sujeira que reina na casa de quem, arrogantemente, ministra lições?
Teremos gente com essa coragem, mas coragem bem equipada de saberes e conhecimentos?
Por agora ponho esperanças no actual refilãozinho Primeiro-ministro italiano. Já desferiu algumas estocadas.