domingo, março 06, 2016

1944: PASSARAM 72 ANOS
AS FERIDAS MANTÊM-SE VIVAS.

Na semana passada, praticamente toda a imprensa italiana deu voz a uma geral indignação contra a entrega de uma medalha de honra, no Município alemão de Engelsbrand (Land Baden-Wuerttemberg) a um ex-nazi que fora condenado na Itália, à revelia, a prisão perpétua: Wilhelm Kusterer. Motivação explicativa da medalha solenemente conferida pelo presidente da Câmara: “É um cidadão que prestou grandes serviços ao seu concelho de origem; um cidadão activo e íntegro de Engelsbrand”. 
Na Itália, as feridas ressentiram-se, as chagas reabriram.                                                     
Da última Guerra Mundial, a Itália conserva tremendas recordações, sempre vivas, das atrocidades praticadas pelos nazis. Mas não apenas nazis, pois em algumas destas barbaridades houve a colaboração de fascistas locais.

O principal símbolo destas tragédias é o concelho de Marzabotto, região metropolitana de Bolonha, onde a população civil de quase todo aquele território, de Setembro a Outubro de 1944, foi vítima de um terrível massacre cuja único motivo foi o cruel prazer de exterminar quantos seres humanos os nazis encontrassem, quer nas próprias casas ou em qualquer outro lugar, deixando, desse rastreio, um horripilante espectáculo de morte e ruínas.
 Morreram cerca de 1150 pessoas: homens, mulheres, crianças.

O carrasco que dirigiu esta mortandade foi, precisamente, o ex-SS Wilhelm Kusterer, o íntegro cidadão de Engelsbrand, condecorado pelo presidente da Câmara daquele concelho alemão e que, com certeza, ou desconhecia o motivo da sentença dos Tribunais Militares italianos ou considerava-o um herói, o que já não seria o primeiro caso.

“Reza a história que, entre as vítimas de Marzabotto, 95 tinham menos de 16 anos; 110 eram crianças abaixo de 10 anos; 15 tinham menos de 1 ano: o mais novinho contava apenas duas semanas.
Por muitos conhecimentos que tenhamos sobre dramas deste género e similares, sempre que são evocados, o sentido do horror conserva o mesmo grau de intensidade. Arrepiam.

A notícia da condecoração veio no jornal alemão “Pforzheimer Zeirung”. Na Itália, alguém a leu na Internet. Imediatamente deu o alarme; partiu uma forte reacção.
Walter Cardi, presidente do “Comité Honras aos Mortos de Marzabotto” e primo da pequenina vítima de duas semanas, ficou furibundo e, acto contínuo, chamou o Procurador do Tribunal Militar de Roma, Marco De Paolis. Este procurador da república, com grande tenacidade, conseguira condenar, à revelia, 57 criminosos de guerra nazis. Esclareceu que “nenhuma destas sentenças jamais foi executada pela Alemanha e pela Áustria”.

O mesmo Walter Cardi dirigiu-se ao Governo alemão e ao embaixador da Alemanha na Itália: “Tirai aquela medalha ao carrasco de Marzabotto”.
“Desejaria que a Chanceler aceitasse o convite de vir a Marzaboto este ano, no aniversário do massacre. Fazer o que fez, em 2002, o presidente da República Johannes Rau que pediu desculpa”.

As reacções italianas, todavia, provieram de várias entidades, sobretudo das regiões mais afectadas por aquele crime de guerra. Consideram a medalha a Kusterer um ultraje às vítimas, aos familiares e à região onde os nazis perpetraram um massacre sem justificação. Crueldade e violência pela violência, nunca é de mais repeti-lo.

Em 2012, Martin Shulz, presidente do Parlamento Europeu, visitou a comunidade de Marzabotto. Confessou que se sentiu chocado com a brutalidade dos nazis, acrescentando: Depois de tudo o que sucedeu, é um milagre ser acolhido como um amigo. Por esta dádiva, porque a considero uma dádiva, ser-vos-ei grato por toda a minha vida”.