segunda-feira, dezembro 05, 2016

QUE DEUS TENHA PIEDADE
DOS VOLUNTÁRIOS DA IGNORÂNCIA

Antes de entrar no assunto, um rápido comentário sobre o referendo italiano de ontem. Venceu o NÃO. Nada de inesperado. Mas deixemos que a febre das conclusões se acalme e falemos de casos nossos. 

As crónicas do Advogado Francisco Teixeira da Mota (Escrever Direito), publicadas todas as sextas-feiras no jornal Público, nunca me passam inobservadas e leio-as sempre com muita atenção; praticamente, considero-as informativas e, no que concerne questões jurídicas, formativas.

Título do que escreveu sexta-feira, 02 de Dezembro: “Viva a tacanhez! Viva a carneirada!”
No primeiro parágrafo, transcreve as palavras do Secretário de Estado do Tesouro e Finanças, pronunciadas na Assembleia da República, sobre o entediante caso da CGD.
 O deputado do PSD, Leitão Amaro, sentiu-se muito ofendido quando se viu alvo da seguinte expressão: … “Com a sua intervenção revela uma de duas coisas: ou um profundo desconhecimento do funcionamento do Regime Geral das Instituições de Crédito, ou uma disfunção cognitiva temporária.

Todos nós tivemos conhecimento da revolta e tumulto dos deputados PSD contra o que imediatamente classificaram como um grande insulto: “uma disfunção cognitiva temporária”.
Interpretei a observação do Secretário de Estado como uma contestação ao presumível desconhecimento do tema em causa ou um “lapso temporário de memória” sobre o mesmo assunto.
Ouvindo ou lendo as notícias, com muita perplexidade, interrogava-me: Onde esta a gravidade da ofensa? Embora os vocábulos “disfunção” e “cognitivo” sejam termos eruditos, não deixam de ser normais num registo cuidado, o que, efectivamente, se deve esperar de um deputado. Certamente que não é uma asserção lisonjeira, mas não justifica a algazarra.  

O autor da crónica ajuntou pormenores que eu desconhecia, especificando-os. Baseia a sua repulsa, invocando, e muito oportunamente, a liberdade de expressão; de seguida, dá lugar à indignação perante uma iliteracia inaceitável.
Salientemos, então, a atitude de uma deputada que, em modo “peixeiral”, gritava: “Abaixo a disfunção”; “Cognitivo és tu; “Não aos temporários!
Isto tanto provoca uma gargalhada, como um sentimento de pena e irritação. Vá ser ignorante lá fora, isto é, fora da Assembleia da República!

Classificou estes e outros actos como fruto da “tacanhez e carneirada”. Indubitavelmente que não se afasta do ambiente que se respirou no Parlamento. A “carneirada” inspira sempre desânimo; porém, e no mesmo grau de intensidade, uma certa repulsa quando dizem respeito a deputados da Nação.

Notícia de fim-de-semana.
Artur Anselmo, presidente da Academia das Ciências de Lisboa, “decidiu apresentar, ainda este ano, um estudo para aperfeiçoar o Acordo Ortográfico 1990, sugerindo alterações e não o fim do acordo… Avisou que o Acordo é um problema científico, não político”.
O Acordo foi aprovado no Parlamento, mas, como vê, ali proliferam os voluntários da ignorância – sem generalizar, obviamente
                                            
Senhor Presidente, o problema foi e continua a ser estupidamente político, o que é inadmissível. É um património do qual todos somos proprietários. Se deseja proteger e nobilitar a nossa língua, arrume definitivamente com essa vergonha do Acordo Ortográfico 1990.
Não existe nenhuma razão que justifique a mutilação da riqueza de um idioma de séculos. Deixe-o caminhar com as suas pernas. A ciência linguística apenas intervenha para acompanhar as suas evoluções.

Esteja com a maioria dos portugueses que amam a própria língua e que, bem ou aproximadamente, conhecem os seus fundamentos. Soa-lhes muito ofensiva esta mania de acordos ortográficos sem justificações honestamente explicáveis.
Repito, ouça a maioria dos portugueses.